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Capítulo XXIV

O anfiteatro fora projetado para conter toda a população de Diaspar, e praticamente nenhum de seus dez milhões de lugares se achava desocupado. Contemplando a grande curva, de seu ponto de observação, bem no alto, Alvin lembrou-se irresistivelmente de Shalmirane. As duas crateras tinham a mesma forma, e quase o mesmo tamanho. No caso de se encher a cratera de Shalmirane com pessoas, a visão seria bastante semelhante à que se descortinava agora diante de si.

Não obstante, havia uma diferença fundamental entre as duas, a grande depressão de Shalmirane existia, aquele anfiteatro, não. Nunca existira, era apenas um fantasma, um padrão de cargas elétricas que dormitava na memória do Computador Central até que houvesse necessidade de convocá-lo. Alvin sabia que na realidade ainda se encontrava em seu quarto, e que toda aquela multidão que parecia cercá-lo estava também em seus próprios quartos. Desde que não tentasse sair daquele ponto, a ilusão era perfeita. Podia acreditar que Diaspar fora abolida e que todos seus cidadãos haviam sido reunidos ali, naquela enorme cavidade.

Nem uma só vez em mil anos a vida da cidade parará assim, para que toda sua população pudesse reunir-se em Assembléia Geral. Também em Lys, Alvin sabia, estava ocorrendo o equivalente àquela reunião. Haveria um encontro de mentes, mas talvez associado a ele haveria uma reunião de corpos, tão imaginaria quando aquela, mas igualmente real em aparência.

Alvin reconheceu a maioria dos rostos a seu redor, até os limites da visão a olho nu. A quase dois quilômetros de distância, e a trezentos metros abaixo, estava a pequena arena sobre a qual se concentrava agora a atenção de todos. Era difícil acreditar que ele pudesse enxergar alguma coisa a tal distância, mas Alvin sabia que, quando o discurso começasse, ouviria e veria tudo que acontecesse tão bem como qualquer outra pessoa de Diaspar.

A arena encheu-se de uma névoa que se transformou em Callitrax, o líder do grupo cuja tarefa tinha sido reconstruir o passado com base nas informações trazidas à Terra por Vanamonde. Esse empreendimento havia sido portentoso, quase impossível, e não apenas por causa dos intervalos de tempo envolvidos. Apenas uma vez, com a ajuda mental de Hilvar, fora dado a Alvin um vislumbre da mente do estranho ser que haviam descoberto — ou que os havia descoberto. Para Alvin, os pensamentos de Vanamonde eram tão desprovidos de sentido como mil vozes que gritassem em uníssono numa vasta caverna cheia de ecos. No entanto, os homens de Lys eram capazes de desemaranhá-los, gravá-los para serem analisados com vagar. Já corria o boato — ainda que Hilvar nem os negasse nem os confirmasse — que o que haviam descoberto era tão estranho que não tinha nenhuma semelhança com a história que toda a raça humana havia aceito durante um bilhão de anos.

Callitrax começou a falar. Para Alvin, como para todos em Diaspar, a voz clara e precisa parecia provir de um ponto a poucos centímetros dele. Então, de um modo difícil de definir, da mesma forma que a geometria de um sonho desafia a lógica, embora não desperte surpresa na mente de quem sonha, Alvin estava de pé ao lado de Callitrax, ainda que ao mesmo tempo mantivesse seu lugar no anfiteatro. O paradoxo não o preocupou, e ele simplesmente o aceitou sem contestação, como aceitava todos os outros triunfos sobre o tempo e o espaço que a ciência lhe dera.

Sucintamente, Callitrax repassou a história aceita da raça. Falou dos povos desconhecidos da Civilização do Alvorecer, que nada haviam deixado atrás de si senão um punhado de grandes nomes e as lendas esmaecidas do Império. Mesmo no começo, segundo rezava a história, o Homem ansiara pelas estrelas — e as havia finalmente atingido. Durante milhões de anos ampliara seu raio de ação pela Galáxia, dominando sistema após sistema. Fora então que, vindos do negrume que ficava além dos limites do Universo, os Invasores haviam atacado, arrancando do Homem tudo quanto ele alcançara.

A retirada para o sistema solar fora amarga e devia ter durado várias eras. A própria Terra fora salva por um triz pelas batalhas fabulosas travadas em torno de Shalmirane. Quando tudo terminou, ao homem restou apenas suas memórias e o mundo em que havia nascido.

Desde então, o resto fora uma longa decadência. Como suprema ironia, a raça que esperara governar o Universo tinha abandonado a maior parte de seu minúsculo mundo, dividindo-se nas duas culturas isoladas de Diaspar e Lys — oásis de vida num deserto que os cercava tão efetivamente como abismos entre as estrelas.

Callitrax fez uma pausa. Para Alvin, como para os demais no imenso anfiteatro, parecia que o historiador estava olhando diretamente para ele, com olhos que haviam testemunhado coisas que ainda agora não podiam ser inteiramente aceitas como verdade.

— Tanto basta — disse Callitrax — para as narrativas em que temos acreditado desde que começaram nossos registros. Devo-lhes dizer agora que são falsas… falsas em todos os seus detalhes… tão falsas que ainda agora não as conciliamos inteiramente com a verdade.

Esperou para que o sentido de suas palavras causasse pleno efeito. Então, falando lenta e cuidadosamente, transmitiu a Lys e a Diaspar o conhecimento que fora extraído da mente de Vanamonde.

Não era sequer verdade que o Homem houvesse alcançado as estrelas. A totalidade de seu pequeno império era limitada pelas órbitas de Plutão e Perséfone, já que o espaço interestelar mostrara ser uma barreira além de sua capacidade. Toda sua civilização estava reunida em torno do Sol, e ainda era muito jovem quando as estrelas o alcançaram.

O impacto deve ter sido deletério. A despeito de seus fracassos, o Homem jamais duvidara de que um dia viesse a conquistar as profundezas do espaço. Acreditava também que, se o Universo encerrava seres iguais a ele, não ocultava outros que lhe fossem superiores. Agora, porém, sabia que ambas as crenças estavam erradas, e que lá fora, entre as estrelas, habitavam espíritos muito maiores do que o seu. Por muitos séculos, primeiramente nas naves de outras raças e depois em máquinas construídas com técnicas que com elas aprendera, o Homem explorou a Galáxia. Por toda parte encontrava culturas que podia compreender, mas que não conseguia igualar, encontrava também mentes que em breve teriam passado para um ponto além de sua compreensão.

O choque foi tremendo, mas provou a tempera da raça. Mais triste e infinitamente mais sábio, o Homem retornara ao sistema solar, a fim de meditar a respeito do conhecimento que conquistara. Aceitou o desafio e lentamente elaborou um plano que trazia esperanças para o futuro.

No passado, as ciências físicas haviam representado o maior interesse do Homem. Agora, voltava-se com disposição ainda maior para a genética e para o estudo da mente. A qualquer custo, ele se lançaria aos limites de sua evolução.

A grande experiência consumira as energias da raça durante milhões de anos. Todo aquele esforço, todo aquele sacrifício e labuta tornaram-se apenas um punhado de palavras na narrativa de Callitrax. A empresa dera ao Homem suas maiores vitórias. Ele banira a doença, podia viver para sempre se desejasse, e ao dominar a telepatia subjugara o mais sutil de todos os poderes à sua vontade.

Estava preparado para demandar novamente, confiando em seus próprios recursos, os grandes espaços da Galáxia. Encontraria em pé de igualdade as raças dos mundos dos quais fora afugentado no passado. E desempenharia todo seu papel na história do Universo.

Tudo isso fez o Homem. Dessa época, talvez a mais grandiosa de toda a história, vinham as lendas do Império. Havia sido um Império de muitas raças, mas isso fora esquecido no drama, para não dizermos na tragédia, que marcara seu fim.

O Império durara no mínimo um milhão de anos. Teria certamente conhecido crises, talvez até guerras, mas tudo isso perdeu-se no avanço de grandes raças que se encaminhavam para a maturidade.

— Podemos orgulhar-nos — continuou Callitrax — do papel que nossos ancestrais representaram nessa história. Mesmo quando atingiram seu auge cultural, nada perderam de iniciativa. Estamos lidando antes com conjecturas do que com fatos comprovados, mas parece que as experiências que foram, ao mesmo tempo, a derrocada e a glória suprema do Império, foram inspiradas e dirigidas pelo Homem.

— A filosofia que condicionava essas experiências parece ter sido a seguinte: o contacto com outras espécies mostrara ao Homem até que ponto a cosmovisão de uma raça dependia de seu corpo físico e dos órgãos sensoriais com que estava equipado. Argumentava-se que uma verdadeira imagem do Universo só poderia ser obtida, se é que isso era possível, por uma mente livre de tais limitações físicas — uma mentalidade pura, na verdade. Essa era uma concepção comum entre muitas das antigas religiões da Terra e parece estranho que uma idéia que não tinha qualquer origem racional terminasse por tornar-se uma das maiores metas da ciência.

«Nunca, no universo natural, se encontrara uma inteligência desencarnada, mas o Império lançou-se à criação de uma. Já esquecemos, como muitas outras coisas, as técnicas e os conhecimentos que tornaram isso possível. Os cientistas do Império haviam dominado todas as forças da natureza, todos os segredos do tempo e do espaço. Como nossas mentes são o subproduto de uma disposição de células cerebrais, imensamente complexas, reunidas pela rede do sistema nervoso, da mesma forma eles se esforçaram por criar um cérebro cujos componentes não eram materiais, mas sim padrões gravados no próprio espaço. Tal cérebro, se podemos chamá-lo assim, funcionaria com forças elétricas, ou ainda maiores do que estas, e estaria completamente livre da tirania da matéria. Funcionaria com velocidade muito maior do que qualquer inteligência orgânica. Duraria enquanto houvesse um erg de energia no Universo, e limite algum poderia ser previsto para seus poderes. Uma vez criada, adquiriria potencialidades que nem mesmo seus construtores haviam previsto.»

«Em grande parte como resultado da experiência acumulada em sua própria regeneração, o Homem sugeriu que a criação de tais seres devia ser tentada. Era o maior desafio já lançado à inteligência no Universo, e, depois de séculos de debate, foi aceita. Todas as raças da Galáxia juntaram-se para torná-la realidade.»

«Mais de um milhão de anos separaria o sonho de sua concretização. Civilizações haveriam de nascer e morrer, o trabalho imemorial de mundos inteiros se perderia várias vezes, mas a meta jamais era esquecida. Algum dia poderemos vir a conhecer toda a história desse cometimento, o maior esforço de toda a história. Hoje, só sabemos que seu fim foi um desastre que quase destruiu a Galáxia.»

«A mente de Vanamonde recusa-se a penetrar nesse período. Há uma estreita região do tempo que lhe está bloqueada, mas apenas, acreditamos, devido a seu próprio medo. No começo podemos ver o Império na pujança de sua glória, tenso com a expectativa de seu sucesso iminente. No fim, apenas alguns milhares de anos depois, o Império aparece despedaçado e as próprias estrelas se turvam, como que exauridas em seu poder. Sobre a Galáxia pende uma mortalha de medo, um medo que está ligado ao nome ‘A Mente Louca’.»

«O que aconteceu nesse curto período não é difícil de imaginar. A mentalidade pura tinha sido criada, mas ou era insana ou, como parece mais provável, com base em outras fontes, era implacavelmente hostil à matéria. Durante séculos, assolou o Universo, até ser controlada por forças que não podemos imaginar quais fossem. A arma que o Império usou nesse momento extremo, qualquer que tenha sido, esgotou os recursos das estrelas, das lembranças desse conflito vêm algumas das lendas dos Invasores, ainda que nem todas elas. Mas sobre isso voltarei a falar mais tarde.»

«A Mente Louca não podia ser destruída, pois era imortal. Foi encurralada para a periferia da Galáxia e ali aprisionada segundo meios que não compreendemos. Sua prisão era uma estranha estrela artificial chamada o Sol Negro, e ainda hoje ela lá se encontra. Quando o Sol Negro morrer, ela estará livre novamente. Não temos como dizer quando isso acontecerá.»

Callitrax calou-se, como se perdido em seus próprios pensamentos, inteiramente esquecido de que os olhos de todo o mundo estavam postos nele. No longo silêncio, Alvin contemplou a multidão densa em torno dele, procurando ler os pensamentos dos presentes, face a essa revelação — e essa ameaça desconhecida que deveria a partir de então substituir o mito dos Invasores. Na maior parte, os rostos de seus conterrâneos estavam congelados numa máscara de incredulidade, ainda lutavam por rejeitar seu falso passado, e ainda não podiam aceitar a realidade mais estranha que se sobrepusera a ela.

Callitrax recomeçou a falar num tom mais sereno, mais tranqüilo, descrevendo os últimos dias do Império. Aquela era a idade, compreendeu Alvin, enquanto ouvia a narrativa, em que ele gostaria de ter vivido. Nessa época houve aventura, bem como uma coragem soberba e intrépida — a coragem que era capaz de arrancar a vitória dos dentes do desastre.

— Embora a Galáxia tivesse sido arrasada pela Mente Louca, os recursos do Império ainda eram enormes, e seu espírito não se abatera. Com uma coragem da qual só podemos nos admirar, a grande experiência foi encerrada, iniciando-se a busca da falha que engendrara a catástrofe. Havia agora, naturalmente, muitas pessoas que se opunham ao trabalho e previam novos desastres, mas foram vencidas. O projeto seguiu avante e, com o conhecimento adquirido tão amargamente, dessa vez foi coroado de êxito.

«A nova raça ali nascida contava com um intelecto potencial que não podia sequer ser medido. Mas era inteiramente infantil, não sabemos se isso era esperado por seus criadores, mas parece provável que o sabiam inevitável. Milhões de anos seriam necessários para que ela alcançasse a maturidade, e nada podia ser feito para apressar o processo. Vanamonde foi a primeira dessas mentes, deve haver outras espalhadas pela Galáxia, mas acreditamos que foram criadas muito poucas, pois Vanamonde jamais encontrou qualquer outra de sua espécie.»

«A criação de mentalidades puras foi a maior realização da civilização galáctica, o Homem desempenhou nela papel importante, e talvez predominante. Não fiz nenhuma referência à Terra propriamente dita porque sua história representa tão somente um fio minúsculo numa enorme tapeçaria. Uma vez que fora sempre despojado de seus espíritos mais aventureiros, nosso planeta tornara-se inevitavelmente muito conservador, e por fim opunha-se aos cientistas que haviam criado Vanamonde. Decerto não representou nenhum papel no ato final.»

«A obra do Império estava agora terminada. Os homens do tempo olharam as estrelas que haviam destroçado no perigo desesperador e tomaram uma decisão. Deixariam o Universo para Vanamonde.»

«Há aqui um mistério — um mistério que talvez nunca solucionemos, pois Vanamonde não nos pode ajudar. Tudo que sabemos é que o Império estabeleceu contacto com… alguma coisa… muito estranha e muito grande, situada muito além da curva do Cosmos, na outra extremidade do próprio espaço. Só podemos conjecturar quanto ao que fosse, mas seu chamado deve ter sido de extrema urgência, garantido por uma imensa promessa. Dentro de um período de tempo bastante curto, nossos ancestrais e as demais raças que lhes faziam companhia haviam partido para uma jornada que não podemos acompanhar. Os pensamentos de Vanamonde parecem estar limitados pelas fronteiras da Galáxia, mas através de sua mente já contemplamos os começos dessa grande e misteriosa aventura. Eis a imagem que reconstruímos, agora vamos todos voltar um bilhão de anos no passado…»

Como pálido espectro de sua antiga glória, a Galáxia, roda em lenta rotação, pendia no nada. Por toda sua extensão se viam os enormes rasgões vazios provocados pela Mente Louca — feridas que nas eras do porvir as estrelas errantes haveriam de preencher. Mas jamais poderiam restaurar o esplendor desaparecido.

O homem estava prestes a deixar seu Universo, tal como há muito deixara seu mundo. E não somente o Homem, mas também as mil outras raças que com ele haviam colaborado para construir o Império. Estavam reunidos, ali na fímbria da Galáxia, que interpunha toda sua espessura entre eles e a meta que não alcançariam antes de passadas eras inteiras.

Haviam mobilizado uma frota diante da qual a imaginação estremecia. Suas naus capitâneas eram sóis, seus barcos menores, planetas. Todo um aglomerado globular, com todos seus sistemas solares e seus mundos fervilhantes, estava para ser lançado pelo infinito.

A longa linha de fogo jorrou no centro mesmo do Universo, saltando de estrela em estrela. Num momento do tempo, mil sóis haviam morrido, alimentando com sua energia a forma monstruosa que cruzara de roldão o eixo da Galáxia e agora despenhava-se no abismo…

— Assim, o Império deixou nosso Universo, a fim de encontrar seu destino alhures. Quando seus herdeiros, as mentalidades puras, houverem chegado à plena maioridade, talvez voltem. Mas esse dia certamente se acha muito distante.

«Esta, em contornos breves e superficiais, é a história da civilização galáctica. Nossa própria história, que nos parece tão importante, não é mais do que um epílogo tardio e trivial, embora de tal forma complexo que ainda não pudemos conhecer seus detalhes. Parece que muitas das raças mais velhas, menos aventureiras, recusaram-se a partir, nossos ancestrais diretos estavam entre eles. Na maioria, essas raças entraram em decadência e acham-se agora extintas, embora algumas talvez ainda sobrevivam. A nossa própria mal escapou a esse mesmo destino. Durante os Séculos de Transição — que na realidade duraram milhões de anos — o conhecimento do passado se perdeu ou foi deliberadamente destruído. Essa última conjectura, ainda que aparentemente absurda, parece ser a mais provável. Durante muito tempo, o Homem mergulhou num barbarismo supersticioso, ainda que científico, durante o qual distorceu a história a fim de afastar da lembrança sua sensação de impotência e fracasso. As lendas dos Invasores são inteiramente falsas, conquanto a luta desesperada contra a Mente Louca tenha sem dúvida contribuído um pouco para sua criação. Nada prendia nossos ancestrais à Terra, exceto o mal-estar que lhes ia na alma.»

«Quando fizemos essa descoberta, um problema em particular nos intrigou em Lys. A Batalha de Shalmirane jamais aconteceu… mas, ainda sim, Shalmirane existiu, e existe até hoje. Além disso, representa uma das maiores armas de destruição jamais construídas.»

«Levamos algum tempo para resolver esse enigma, mas a resposta, quando descoberta, mostrou-se muito simples. Há muito tempo, nosso planeta possuía um gigantesco satélite, a Lua. Quando, no embate da guerra contínua entre as marés e a gravidade, a Lua finalmente começou a cair, tornou-se necessário destruí-la. Shalmirane foi construída para esse fim, e em torno de sua utilização teceram-se as lendas que todos nós conhecemos.»

Callitrax sorriu, com certa tristeza.

— São muitas as lendas como essas, em parte verdadeiras, em parte falsas, e há outros paradoxos em nosso passado que ainda não foram solucionados. Esse problema, entretanto, compete mais ao psicólogo que ao historiador. Não se pode confiar plenamente nem mesmo nos registros do Computador Central, que mostram sinais claros de deturpação do passado mais remoto.

«Na Terra, apenas Diaspar e Lys sobreviveram ao período de decadência: Diaspar, graças à perfeição de suas máquinas, Lys, devido a seu isolamento parcial e aos inusitados poderes intelectuais de sua população. Mas ambas as culturas, mesmo quando conseguiram retornar a seu antigo nível, achavam-se distorcidas pelos temores e mitos que haviam herdado.»

«Não há por que deixarmos que esses temores continuem a perseguir-nos. Não me cabe, como historiador, prever o futuro, mas apenas observar e interpretar o passado. A lição, porém, é bastante clara, temos vivido muito tempo sem contacto com a realidade, e agora chegou o momento de reconstruirmos nossas vidas.»