120473.fb2 A cidade submarina - читать онлайн бесплатно полную версию книги . Страница 2

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Parecia-me a mais rematada das loucuras, mas bem sabes como é difícil recusar-se um convite para uma empresa arriscada. Fiz algumas perguntas para ganhar tempo.

— Até que profundidade pretende descer, Dr. Maracot?

Havia um mapa estendido na mesa e ele tocou com a extremidade de um compasso um ponto a sudoeste das Canárias.

— No ano passado fiz algumas sondagens nesta região, disse ele. Há aqui uma depressão de grande profundidade. Medimos vinte e cinco mil pés em alguns pontos. Fui eu o primeiro a assinalar este fato. Creio mesmo que a verá registrada nos mapas futuros com o nome de «Pélago de Maracot».

— Mas por Deus, doutor! exclamei, creio que não pretenderá descer num abismo como esse?

— Não, respondeu ele sorrindo. Nem nossa corrente nem os tubos de ar vão além de meia milha. Mas estava para lhe dizer que ao redor desta profunda depressão, que sem dúvida foi produzida por forças vulcânicas numa época remota, há uma espécie de planalto estreito que não está a mais de trezentas toesas abaixo da superfície.

— Trezentas toesas! Um terço de milha!

— Exatamente; apenas um terço de milha. Minha presente intenção é fazer com que nos desçam em nosso pequeno compartimento até esse ponto. Aí faremos as observações que pudermos. Estaremos em comunicação com o navio por meio de um telefone, de modo a podermos transmitir nossas ordens. Não haverá dificuldades nisso. Quando quisermos ser novamente içados, bastará dizê-lo.

— E o ar?

— Será renovado do interior do navio por meio de bombas.

— Mas deverá haver lá uma escuridão de breu.

— Isto, infelizmente, deve ser verdade. As experiências de Foi e Sarasin no Lago Genebra mostraram que mesmo os raios ultravioleta não chegam a tal profundidade. Mas que importa? Estaremos providos com a poderosa iluminação elétrica dos motores do navio, além de seis pilhas secas de Hellesens associadas de modo a dar uma tensão de doze volts. Isto e um refletor Lucas para sinais dos usados no exército bastará aos nossos fins. Vê alguma outra dificuldade?

— E se nossos condutos de ar se embaraçarem um no outro?

— Eles não se embaraçarão. Como reserva, além disso, temos ar comprimido em tubos que darão para vinte e quatro horas. Dá-se por satisfeito? Aceita o meu convite?

Não era uma resolução fácil de tomar. O cérebro trabalha rapidamente e a imaginação nos leva longe. Parecia-me ver já aquela caixa negra a descer através de profundezas primevas, sentir o ar denso e viciado e ver repentinamente as paredes deslocarem-se, encurvarem-se para dentro rompendo-se nos ângulos e a água jorrando de todas as junturas, de todos os lados. Seria uma morte lenta e horrível. Mas levantei o olhar e deparei com os olhos ansiosos daquele velho, cravados em mim com a exaltação de um mártir da ciência. Era um entusiasmo contagioso aquele, e, apesar de insano, era contudo nobre e abnegado. Seu ardor inflamou-me também quase a contragosto e pus-me de pé num salto com a mão estendida.

— Doutor, pode contar comigo até o fim.

— Já o sabia, disse ele. Não foi por causa de suas tinturas de ciência que o escolhi, meu jovem amigo, nem — acrescentou sorrindo — devido aos seus conhecimentos profundos dos caranguejos marinhos. Há outras qualidades que aqui podem ser mais imediatamente úteis, que são a lealdade e a coragem.

Assim, com este pequeno pedaço de açúcar, fui despedido com meu futuro empenhado e desmantelados todos os meus planos de vida. Mas fiquemos por aqui; o último bote já está de partida para a praia e estão pedindo a correspondência. Pode suceder que não ouças mais falar de mim, ou que recebas uma carta digna de ser lida. Se se der a primeira hipótese poderás tomar uma lousa flutuante e deixá-la cair no oceano, num lugar qualquer ao sul das Canárias, com a inscrição:

«Aqui ou alhures jaz tudo o que os peixes deixaram de meu amigo — Cirus J. Headlei».

O segundo documento em questão é o ininteligível radiograma que foi captado por vários navios, inclusive o paquete «Arroya» da Royal Mail. Foi recebido às três da madrugada do dia três de outubro de 1926, o que mostra ter sido expedido dois dias depois de haver o «Stratford» deixado a Grande Canária, como se vê pela carta anterior, e está em completo acordo com a indicação do veleiro norueguês que viu um vapor ir a pique durante um ciclone, duzentas milhas a sudoeste de Porta de Ia Luz. Dizia o seguinte:

«Graves avarias no navio. Receio nossa situação desesperadora. Já perdemos Maracot, Headlei, Scanlan. Situação incompreensível. Lenço de Headlei aparecido na extremidade da sonda de grandes profundidades. Deus nos ajude! — S.S. Stratford».

Foi esta mensagem incoerente a última que se recebeu do malfadado vapor, e parte dela era tão extravagante que foi posta à conta de delírio por parte do radiotelegrafista. Parecia contudo não deixar dúvidas quanto à sorte do navio.

A explicação de tudo — se puder ser aceita como uma explicação — encontrou-se na narrativa oculta dentro da bola de cristal, sendo que achamos preferível dar antes notícias menos sucintas sobre a sua descoberta. Reproduzirei literalmente o relatório de Amos Green, o comandante do «Arabella Knowles», que foi quem a recolheu quando transportava carvão de Cardiff para Buenos Aires.

«Quarta-feira, 5 de janeiro de 1927. Latitude, 27°14′; longitude, 28° ocidental. Tempo calmo. Céu azul com cirros baixos. Mar bonançoso. Às duas horas o primeiro oficial participou que vira um objeto brilhante saltar a uma grande altura para fora do mar e cair de novo nas águas. À primeira vista supôs tratar-se de algum estranho peixe, mas examinando melhor com uma luneta viu que se tratava de um globo ou bola de aspecto metálico, e tão leve que parecia antes repousar do que flutuar propriamente na superfície das águas. Fui então chamado e vi o objeto em questão, do tamanho de uma bola de futebol, a brilhar a estibordo, cerca de uma milha distante do navio. Parei as máquinas e enviei um escaler sob as ordens do segundo piloto, que o recolheu e trouxe para bordo.

Examinando-o vimos tratar-se de uma bola feita de uma espécie de vidro muito resistente e cheia de um gás tão leve que, quando era atirada no ar, custava a cair, como essas bolas com que as crianças brincam. Era mais ou menos transparente e podíamos ver no interior qualquer coisa parecida com um rolo de papel. O vidro era porém tão resistente que tivemos enorme dificuldade em quebrar a bola para examinarmos o seu conteúdo. Um martelo não pôde quebrá-lo e só quando o engenheiro-chefe se lembrou de utilizar para isso as máquinas do navio é que conseguimos esmigalhá-la. Lamento ter de dizer que a mesma se dissolveu numa nuvem de partículas brilhantes, tendo sido impossível conseguir-se uma amostra de bom tamanho para ser examinada. O papel, contudo, ficou intato, e, tendo examinado o mesmo e visto que era de grande importância, guardamo-lo cuidadosamente com a.intenção de entregá-lo ao cônsul britânico, quando chegássemos ao Rio da Prata. Vivo no mar desde rapaz, há trinta e cinco anos, mas este é o fato mais extraordinário com que até hoje deparei e o mesmo dizem todos os homens de bordo. Deixo a interpretação disso tudo a pessoas mais capazes do que eu.»

Após este breve intróito daremos a narração de Cirus J. Headlei exatamente como foi escrita:

Para quem estou escrevendo? Creio poder dizer que para o mundo inteiro, mas como este endereço seria vago demais, dirigirei esta ao meu amigo Sir James Talbot, da Universidade de Oxford, em virtude de ter sido a ele que escrevi minha última carta, de que esta deverá ser considerada como continuação. Sei que há cem probabilidades contra uma de que mesmo que esta bola veja a luz do dia e não seja engolida de passagem por algum tubarão, permaneça indefinidamente sobre as águas sem nunca chamar a atenção dos marinheiros que passarem. Contudo, vale a pena tentar, e como Maracot também pretende enviar uma outra, é bem possível que consigamos levar nossa espantosa história ao conhecimento do mundo. Bem sei que poderá haver certa incredulidade por parte dos que lerem esta, mas, quando se tiver examinado a casca de vidrina da bola e seu conteúdo de gás levigênio, ver-se-á certamente que existe aqui algo que sai do ordinário. Tu pelo menos, Talbot, não a jogarás de lado sem a ler.

Se alguém quiser saber como começou tudo isto e o que queríamos fazer, encontrará tudo na carta que te escrevi a 1.° de outubro do ano passado, na véspera de deixarmos Porta de Ia Luz. Por São Jorge! se eu soubesse o que nos esperava, creio que me teria metido num bote e partido para terra naquela mesma noite… Todavia… é bem possível que mesmo com os olhos abertos eu permanecesse ao lado do Dr. Maracot e enfrentasse com ele a grande aventura. Pensando bem, não tenho dúvidas de que o faria.

Vou porém continuar minha história do dia em que deixamos a Grande Canária em diante.

Logo que saímos do porto, o velho Maracot pareceu positivamente pegar fogo. Chegara finalmente o momento de agir e toda a energia represada daquele homem admirável explodiu subitamente. Assumiu em pessoa a direção do navio e de todos e tudo o que nele se achava, sujeitando-os à sua vontade. O sábio distraído e secarrão desaparecera por completo, surgindo em seu lugar uma máquina elétrica humana, rumorosa de vitalidade e vibrante da grande força que a animava. Seus olhos brilhavam detrás de seus óculos como as chamas de uma lanterna. Parecia estar em toda parte ao mesmo tempo, anotando distâncias em seu mapa, comparando cálculos com o comandante, arrastando consigo Bill Scanlan, encarregando-me de cem pequenas coisas, mas tudo cheio de método e com um fim definido. Demonstrou insuspeitados conhecimentos de eletricidade e mecânica, e passava a maior parte do tempo a trabalhar em maquinismos, que Scanlan, sob suas ordens, estava agora cuidadosamente montando.

— Venha cá dar uma olhadela, Sr. Headlei — disse-me Bill na manhã do segundo dia. — O doutor é uma boa pessoa e um mecânico às direitas.

Apesar da desagradável impressão que tive de estar a olhar para o meu próprio ataúde, fui obrigado a reconhecer que não deixava de ser um mausoléu bem apresentável. O assoalho fora preso às quatro paredes de aço e vidraças redondas atarraxadas no centro de cada uma delas. Um pequeno alçapão dava ingresso pela parte superior e havia um outro ainda embaixo. Essa caixa de aço estava suspensa por um cabo pouco grosso, mas muito resistente, que passava sobre uma roldana e era manobrada pelo poderoso maquinismo que usáramos para nossas pescas em grandes profundidades. O cabo, ao que parecia, devia ter cerca de meia milha de comprimento e grande parte do mesmo se achava enrolada em sarilhos no tombadilho. Os tubos de borracha para renovar o ar eram do mesmo comprimento, e o fio do telefone estava preso aos mesmos, assim como os fios pelos quais se poderiam utilizar na iluminação da nossa caixa as baterias do próprio navio, embora tivéssemos também uma instalação elétrica independente.

Foi na tarde daquele dia que se fez parar as máquinas. O mar estava calmo, mas uma nuvem escura no horizonte anunciava uma provável tempestade. O único navio à vista era uma embarcação de três mastros que ostentava as cores norueguesas, e observamos que tinha as velas colhidas, como se esperasse mau tempo. Naquele momento, porém, tudo era propício e o «Stratford» vogava calmamente sobre um profundo oceano azul, apenas pincelado de branco aqui e além pelo sopro dos alísios. Bill Scanlan veio procurar-me em meu laboratório, dando, contrariamente a seu temperamento, mostras de viva agitação.

— Veja só, Sr. Headlei! exclamou; eles baixaram aquela caixa para um buraco no fundo do navio. Acha que o patrão descerá mesmo naquilo?

— Sem a menor dúvida, Bill. E eu também vou com ele.

— Pois estão os dois loucos varridos em pensar em tal coisa. Mas eu é que não os deixarei ir sós.

— Você não tem nada com este negócio, Bill.

— Pois eu já não penso assim. Que eu fique amarelo, como um chinês com icterícia se os deixar ir sozinhos. O pessoal de Merribank mandou-me aqui para cuidar do aparelho e se ele for para o fundo do mar é lógico que eu também devo ir para lá. Onde estiverem aqueles aparelhos de aço, esse será o endereço de Bill Scanlan — estejam os que o rodeiam loucos varridos ou não.

Foi inútil discutir com ele; assim, um membro mais foi acrescentado à nossa pequena associação de suicidas e ficamos à espera de ordens.

Toda a noite trabalharam incessantemente em preparativos, e após um rápido almoço na manhã seguinte, descemos para o porão, prontos para a aventura. A caixa de aço fora baixada a meio pelo falso fundo e um por um descemos pelo alçapão superior que foi fechado e parafusado depois de entrarmos, tendo o Capitão Howie apertado lügubremente a mão de cada um de nós ao passarmos por ele. Desceram-nos então mais alguns pés, fecharam o primeiro fundo sobre as nossas cabeças e fizeram com que a água envolvesse nossa caixa, para verificarmos se não penetrava no interior. A prova foi satisfatória: todas as junturas estavam bem adaptadas e não havia sinal da mais leve fenda. O segundo fundo do navio foi então aberto e fomos baixados no oceano, abaixo do nível do casco do navio.

Era realmente um compartimento pequeno, mas bem aparelhado e maravilhei-me do cuidado e previsão com que tudo fora organizado. Ainda não havíamos acendido as lâmpadas elétricas, mas a luz do sol semitropical jorrava pelas vidraças através da água verde-garrafa. Viam-se passar aqui e além peixes de pequeno porte, como traços brilhantes de prata contra o fundo verde. No interior havia uma espécie de banco que rodeava o pequeno compartimento, acima do qual se viam enfileirados um batímetro de quadrante para se lerem profundidades, um termômetro e outros instrumentos. Abaixo dos bancos via-se uma fileira de recipientes cilíndricos fechados, que continham nossa reserva de ar comprimido para o caso de os tubos condutores de ar pararem de funcionar. Estes tubos abriam-se acima de nossas cabeças e o aparelho telefônico pendia ao lado deles. Pudemos todos ouvir a voz do capitão, perguntando-nos do navio:

— Estão realmente resolvidos a ir?

— Estamos todos completamente à vontade, respondeu o Dr. Maracot impaciente. Desça lentamente nossa caixa e tenha sempre alguma pessoa no receptor. Dir-lhes-ei o que têm a fazer. Quando atingirmos o fundo, deixe tudo como estiver até que eu dê novas instruções. Não convém forçar muito o cabo de aço; um movimento lento de um par de nós por hora não será excessivo. E agora, — «Larguem!»

Ele soltara este brado numa voz de insano. Era o momento supremo de sua vida, o momento da execução de seu sonho mais caro. Durante um instante passou-me pelo espírito a idéia de que estávamos realmente em poder de um perigoso monomaníaco. Bill Scanlan teve a mesma idéia que eu, pois olhou-me com uma careta fúnebre e apontou para a testa. Mas, logo depois deste impulso de entusiasmo, Maracot tornou-se novamente o mesmo homem reservado e tranqüilo de sempre. Bastava aliás olharmos para a ordem e espírito de previsão que se mostrava em cada detalhe ao nosso redor para nos reassegurarmos da sanidade de seu espírito.

Mas agora toda a nossa atenção se voltara — para a espantosa viagem que se iniciara. Lentamente nossa caixa mergulhava nas profundezas do oceano. A água, de um verde claro, passou pouco a pouco a um escuro verde oliva. Este por sua vez transmudou-se aos poucos num belo azul, que gradualmente passou a um púrpura fusco. Cada vez descíamos mais baixo — cem pés, duzentos, trezentos pés. As válvulas funcionavam perfeitamente. Nossa respiração era tão fácil e natural como se estivéssemos no tombadilho do navio. Lentamente a agulha batimétrica se movia no quadrante luminoso. Quatrocentos, quinhentos, seiscentos. «Vai tudo bem?» perguntou uma voz ansiosa vinda de cima.

— O melhor possível — gritou Maracot em resposta. Mas a luz já nos ia faltando. Havia agora apenas uma leve claridade acinzentada que escurecia cada vez mais. — Pare! — gritou nosso chefe. Cessou nosso movimento e ficamos suspensos a uma altura de setecentos pés abaixo da superfície do oceano. Ouvi o Dr. Maracot apertar um botão e no mesmo instante éramos inundados pela viva luz de nossas lâmpadas, que, atravessando as janelas, revelavam aos nossos olhos longos trechos do mundo de água que nos cercava. Com os rostos colados às vidraças redondas, cada um em seu postigo, observávamos extasiados aquelas perspectivas que olhos humanos jamais haviam contemplado.

Até então, so conhecíamos essas camadas profundas pelos peixes, que, ou eram tardos demais para fugir à nossa grosseira rede envolvente, ou muito estúpidos para escapar a uma rede de arrasto. Agora, porém, víamos o admirável mundo das águas sob seu verdadeiro aspecto. Se o objeto da criação foi a produção do homem, é estranho que os oceanos sejam tão mais populosos que a terra. Nem Broadway numa noite de sábado, nem Lombard Street numa tarde de comércio eram mais movimentadas que os grandes espaços marinhos que se estendiam à nossa frente. Havíamos já ultrapassado as camadas superficiais em que os peixes ou são incolores ou das verdadeiras cores marinhas; azul ultramarino em cima e prata embaixo. Aqui, pelo contrário, víamos seres de todas as cores e formas imagináveis que a vida pelágica poderia criar. Delicados leptocéfalos ou enguias larvárias desfechavam através do túnel de iluminação como riscas de prata polida. As formas tardas e coleantes da murena, a lampreia das águas profundas ou a coratia preta, toda espinhos e boca, fugiam loucamente à vista de nossos rostos curiosos. Algumas vezes era um grande polvo que passava à nossa frente e nos olhava com sinistros olhos humanos, outras era alguma forma transparente da vida pelágica, cistoma ou glaucus, que emprestava à cena como que o encanto de uma flor. Uma enorme caranx ou cavala arremeteu furiosamente repetidas vezes contra nossa janela, até que o vulto escuro de um tubarão de sete pés se abateu sobre ela, fazendo-a desaparecer entre suas hiantes maxilas. O Dr. Maracot sentou-se com sua caderneta de notas no joelho, rabiscando rapidamente suas observações e monologando à meia voz comentários científicos. «Que será aquilo?» ouvia-o dizer. «Sim, sim, Chimoera mirabilis, como as obtidas por Michael Sars. Aquele deve ser certamente um lepidion. Uma nova espécie, ao que me parece. Observe aquele macrurus, Sr. Headlei; sua cor é completamente diversa da daquele que pegamos na rede.» Apenas uma vez o espanto o paralisou. Foi quando um longo objeto oval desceu velozmente em frente de sua vidraça, deixando uma cauda vibrátil atrás de si, que se estendia para cima e para baixo tão longe quanto podíamos avistar. Confesso que fiquei tão intrigado como o Dr. Maracot; mas Bill Scanlan esclareceu o mistério.

— Pelo que vejo aquele tonto de John Sweeney resolveu lançar sua sonda ao nosso lado. Uma brincadeira, decerto, para não nos sentirmos muito sós.

— Tem razão, exclamou Maracot rindo-se, Plumbus longicaudatus — um novo gênero, Sr. Headlei, com uma cauda de aço e chumbo no nariz. Mas não deixa de ser prudente fazerem sondagens para se conservarem bem em cima da elevação a que queremos chegar, que não é muito extensa. Pronto, capitão! gritou ele. Pode continuar a descer-nos!

E descemos cada vez mais. O Dr. Maracot apagou as luzes e tudo voltou à escuridão de antes, exceto o quadrante luminoso do batímetro que, com o movimento de seu ponteiro, registrava nossa descida contínua. Salvo uma leve oscilação de nossa caixa, quase não tínhamos consciência do movimento. Apenas aquele indicador sobre o quadrante nos revelava a situação temerosa e inconcebível em que nos encontrávamos. Achávamo-nos agora à profundidade de mil pés e o ar se tornava sensivelmente viciado. Scanlan lubrificou a válvula do tubo de descarga e a situação melhorou. A mil e quinhentos pés paramos novamente, suspensos no meio do oceano, com nossas luzes novamente acesas. Uma grande massa negra passou por nós, mas se seria um peixe-espada, um tubarão das grandes profundidades ou algum monstro de espécie desconhecida, foi-nos impossível determinar. O Dr. Maracot apagou rapidamente as luzes.