120473.fb2 A cidade submarina - читать онлайн бесплатно полную версию книги . Страница 3

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— É nisso que consistem nossos maiores riscos, disse ele; existem nas grandes profundidades entes contra cujo ataque esta caixa de aço teria tantas probabilidades de resistir como uma colméia à investida de um rinoceronte.

— Baleias, talvez, sugeriu Scanlan.

— As baleias podem realmente descer a grandes profundidades, respondeu o sábio. Viu-se mesmo uma baleia da Groenlândia arrastar consigo uma milha de corda em direção perpendicular. Mas só mesmo ferida ou muito atemorizada é que uma baleia desceria tanto. Poderia ter sido um polvo gigantesco. São encontrados em todos os níveis.

— Bem, por esse lado não temos o que temer. Os polvos são moles demais para nos fazer mal. Queria ver o polvo capaz de furar o aço niquelado de Merribank.

— Seus corpos podem ser moles, respondeu o professor, mas o bico de um grande polvo pode furar até uma lâmina de aço e arrebentaria essas vidraças de uma polegada de espessura como se fossem pergaminho.

— Vamos Whittaker! gritou Bill — e continuamos nossa jornada vertical.

Por fim, suavemente, quase sem o sentirmos, a caixa se imobilizou. Tão leve fora o choque que nem teríamos dado pela parada se quando a luz se acendeu não nos tivesse mostrado grandes alças do cabo suspensor que caíam aos lados da nossa caixa de aço. Isto poderia tornar-se perigoso para os tubos de ar, por isso, a um brado incisivo de Maracot, foi o mesmo novamente içado. O mostrador marcava mil e oitocentos pés. Repousávamos sobre uma elevação vulcânica no fundo do Oceano Atlântico.

CAPÍTULO II

Durante algum tempo creio que sentimos todos a mesma impressão. Não pensávamos em ver nem em fazer coisa alguma. Desejávamos apenas, sentados em silêncio, procurar conceber aquela coisa espantosa — que nos encontrávamos bem no fundo de um dos grandes oceanos da Terra. Mas logo o estranho cenário que nos rodeava, iluminado em todas as direções pelas nossas luzes, arrastou-nos aos postigos. Havíamos descido sobre um leito de altas algas (Cutleria multifida, disse Maracot) cujas hastes amarelas ondeavam ao nosso redor, movidas por alguma corrente submarina profunda, exatamente como as ramagens de uma árvore se agitariam ao sopro de uma brisa de verão. Seu comprimento não dava para perturbar nossa visão, se bem que suas longas e finas folhas dourado-escuras passassem às vezes à frente de nossos olhos. Para além delas estendiam-se pequenas ondulações de um chão escuro, como coberto de escumalho, recobertas de seres de cores variegadas, holotúrias, ascídias e equinodermas, numa profusão maior que a dos jacintos e primaveras de um prado inglês num dia primaveril. Estas flores animadas do mar, algumas de um escarlate vivo, outras cor de púrpura ou de um róseo delicado, estendiam-se inumeráveis contra o fundo negro do chão. Aqui e além grandes esponjas se elevavam das fendas das rochas escuras e alguns peixes das médias profundidades, passando como relâmpagos de cor, atravessavam rápidos nosso círculo de luz. Estávamos a admirar deslumbrados a beleza daquele espetáculo quando ouvimos uma voz ansiosa perguntar pelo telefone:

— Então, como se sentem aí no fundo? Tudo está bem? Não se demorem muito, que o tempo não está me parecendo de bom agouro. Estão respirando com facilidade? Há mais alguma coisa que eu possa fazer pelos senhores?

— Tudo vai indo o melhor possível, capitão! gritou Ma-racot jovialmente. Não nos demoraremos muito. Estamos tão confortavelmente como em nossa cabina. Faça agora com que nos movam lentamente para a frente.

Havíamos chegado à região dos peixes luminosos e resolvemos por isso apagar nossas luzes para naquela absoluta escuridão que nos cercava — uma escuridão tal que uma placa sensível poderia aí permanecer durante uma hora sem que revelasse o mais leve traço de raios ultravioleta — contemplarmos a atividade fosforescente do oceano. Contra um fundo de um negro veludíneo viam-se pequenos pontos brilhantes movendo-se rapidamente, como as luzes dos postigos de um paquete à noite. Um monstro marinho qualquer possuía duas fileiras de dentes luminosos que se aproximavam e afastavam na escuridão de maneira assustadoramente bíblica. Outro era provido de antenas douradas e outro ainda de um penacho flamejante acima da cabeça. Até onde nossa vista alcançava, víamos pontos brilhantes luzindo nas trevas, cada pequeno ser ocupado consigo mesmo e iluminando seu caminho com tanta segurança como um táxi à hora do teatro no Strand. Mas logo depois acendíamos novamente nossas luzes e o doutor recomeçava suas observações sobre o fundo do mar.

— Apesar de já termos atingido uma boa profundidade, ainda não é suficiente para se estudar nenhum dos depósitos báticos característicos, disse ele. Estes estão inteiramente fora de nosso alcance por enquanto. Talvez que em outra ocasião, com um cabo mais longo…

— Desista disso! grunhiu Bill Scanlan. Esqueça essa idéia!

Maracot sorriu.

— Logo te aclimatarás com as grandes profundidades, Scanlan. Não será esta nossa única descida.

— A outra será para o inferno, sem dúvida! murmurou Bill.

— Mais tarde não darás mais importância a isto que a uma descida ao porão do «Stratford». Observe, Sr. Headlei, que o terreno sobre o qual estamos — pelo que dele podemos ver entre essa profusão de zoófitos e esponjas silicosas — é constituído de pedra-pomes e que essas formações pretas de basalto indicam remotas atividades plutônicas. Estou realmente inclinado a supor que esta elevação faz parte de uma formação vulcânica e que o Pélago de Maracot — disse ele enunciando amorosamente este título — representa a vertente desta montanha. Pensei que deveria ser uma interessante experiência mover vagarosamente nossa caixa até chegarmos à borda do mesmo, para ver as formações que existem nesse ponto. Esperaria encontrar um precipício de majestosas dimensões descendo em ângulo quase reto até as extremas profundezas do oceano.

Esta idéia me parecia um tanto perigosa, pois era difícil avaliar até que ponto nosso delgado cabo resistiria ao esforço deste movimento de lateralidade; mas para Maracot não existia em absoluto perigo nem para si nem para outrem quando tinha de ser feita uma observação científica. Prendi a respiração e o mesmo vi que fazia Bill Scanlan, quando um lento movimento de nossa caixa de aço dobrando à sua frente as hastes ondulantes das algas marinhas nos mostrou que enorme força de tração estava forçando o cabo. Este, contudo, suportou nobremente a prova e com um suave movimento começamos a deslizar lentamente pelo fundo do oceano. Maracot, com um compasso na mão, dava ordens quanto ao trajeto a seguir, ordenando uma ou outra vez que elevassem nossa caixa para evitar algum obstáculo do caminho.

— Esta elevação basáltica não pode ter mais de uma milha de extensão, explicou ele. Observei que o abismo devia achar-se a oeste do ponto em que fizemos nossa descida. Creio por isso que certamente chegaremos aí dentro de um tempo muito curto.

Deslizamos sem solavancos sobre aquela planície vulcânica, tapetada de algas e aformoseada pelas admiráveis jóias vivas com que a Natureza a ornara. Subitamente o professor precipitou-se para o telefone.

— Pare! bradou. Já chegamos!

Um medonho pego se abrira subitamente à nossa frente. Parecia uma visão de pesadelo. Penedias negras e brilhantes de basalto aprofundavam-se perpendicularmente no desconhecido. Suas bordas eram debruadas de finas laminárias oscilantes, semelhantes às samambaias que pendem nas bordas dos abismos terrestres, mas abaixo daquela orla movediça de vegetação só se viam as negras paredes luzidias do pélago. Víamos de cada lado estenderem-se as bordas deste enorme abismo até onde a vista alcançava, mas não podíamos avaliar sua extensão, pois nossas lâmpadas não conseguiam penetrar a obscuridade que estava à nossa frente. Quando voltamos uma lâmpada Lucas de sinais para baixo, vimos uma longa sucessão de declives que desciam, desciam, desciam até perder-se nas profundezas obscuras daquela tremenda voragem.

— É realmente admirável! exclamou Maracot com uma expressão satisfeita de proprietário no rosto magro e vivo. Quanto à profundidade, não necessito dizer que há muitos que o excedem. Temos, por exemplo, o Pélago de Challenger, de vinte e seis mil pés, próximo das Ilhas Ladrone; o Pélago de Planet, de trinta e dois mil pés, perto das Filipinas e muitos outros, mas é provável que o Pélago de Maracot seja sem igual quanto ao declive de suas margens, tendo ainda de notável o fato de ter escapado às pesquisas de tantos exploradores hidrográficos que estudaram o Atlântico. Sem a menor dúvida…

Ele interrompera a frase em meio e uma expressão de intenso interesse e surpresa se imprimira em seu rosto. Bill Scanlan e eu, olhando por sobre os seus ombros, ficamos petrificados com o espetáculo que se deparou a nossos olhos.

Um enorme animal vinha subindo pelo túnel de luz que projetáramos no abismo. Bem ao longe, onde mal a luz alcançava, podíamos ver vagamente os movimentos irregulares de seu monstruoso corpo negro, em lenta ascensão. Caminhava de maneira desgraciosa, e aproximava-se com movimentos tardos das bordas do precipício. Agora que se aproximara mais estava iluminado em cheio pela luz e podíamos ver mais claramente suas formas horrendas. Era um animal desconhecido à ciência, embora apresentasse analogias com muitos seres que nos são familiares. Seu corpo era longo demais para ser comparável ao de um caranguejo gigantesco e curto demais para uma lagosta monstruosa; era mais parecido com um caranguejo de água doce, armado com suas duas enormes pinças, estendida uma de cada lado, e era provido de um par de antenas de dezesseis pés de comprimento, que se agitavam à frente de seus sinistros olhos negros. A carapaça de cor amarela pálida deveria ter dez pés de largura e seu comprimento total, excetuadas as antenas, não teria menos que trinta pés.

— Espantoso! exclamou Maracot, rabiscando desesperadamente em sua caderneta de notas. Olhos semipediculados, lamelas elásticas, família crustácea, espécie desconhecida. Crustaceus Maracoti — por que não?

— Co'os diabos, dê o nome que quiser, mas o fato é que ele está vindo para o nosso lado! exclamou Bill. Que acha de apagarmos nossas luzes, doutor?

— Apenas um momento enquanto anoto as reticulações, gritou o naturalista. É exatamente isso, não há dúvida. — Apertou o interruptor e voltamos à escuridão anterior, com aqueles pontos luminosos riscando a escuridão como meteoros numa noite sem lua.

— Aquele bicho tem uma aparência bem feroz, disse Bill. enxugando a testa. A impressão que tenho é a de uma ressaca depois de uma boa garrafa de Hoosh.

— Seu aspecto é realmente bem terrível, observou Maracot, e talvez fosse ainda mais terrível termos de nos avir com ele, se estivéssemos expostos àquelas monstruosas tenazes. Mas de dentro de nossa caixa de aço podemos examiná-lo em segurança e à vontade.

Mal havia falado quando se ouviu uma pancada como de uma picareta do lado de fora de nossa parede. Logo em seguida um longo som áspero como se a estivessem raspando e arranhando e uma outra pancada violenta.

— Ele quer entrar! exclamou Bill Scanlan, em tom alarmado. Co'os diabos, devíamos ter pintado do lado de fora um «É proibida a entrada». Sua voz trêmula mostrava como era forçado seu gracejo e confesso que meus joelhos tremiam ao ver a sombra negra daquele monstro passar sucessivamente em frente de cada uma das janelas que ele ainda mais escurecia, a examinar aquela estranha concha que, se conseguisse quebrar, deveria conter o seu alimento.

— Ele não nos poderá fazer mal — disse Maracot, mas havia agora menos segurança no tom de sua voz. — Contudo, talvez seja melhor nos afastarmos dele.

Chegando perto do tubo telefônico, gritou ao capitão:

— Eleve-nos uns vinte ou trinta pés!

Poucos segundos depois, éramos levantados da planície de lava e balançávamos suavemente na água. Mas o terrível monstro era pertinaz. Após um intervalo muito curto, ouvíamos novamente o raspar de suas antenas e as batidas fortes de suas tenazes, a examinar nossa caixa. Era horrível aquela espera silenciosa na escuridão, sabendo-se que a morte estava tão próxima. Se aquelas pinças poderosas caíssem sobre as vidraças resistiriam estas ao choque? Era esta a pergunta inexpressa que passava pelo espírito de todos nós.

Mas subitamente um perigo inesperado e ainda mais temível se apresentou. Aqueles golpes haviam passado para a parte superior de nosso pequeno compartimento e este começara a balançar ritmicamente de um lado para outro.

— Santo Deus! exclamei. Ele agarrou o cabo! Seguramente o cortará!

— Olhe, doutor, acho melhor subirmos. Creio que já vimos o que viemos ver e é melhor voltarmos para nossas casas. Mande subir o elevador e deixemo-nos de brincadeiras com esse bicho.

— Mas ainda não fizemos nem metade do nosso trabalho! grasnou Maracot. Mal começamos a explorar as bordas do Pélago. Pelo menos vejamos qual é a sua largura. Quando tivermos chegado ao outro lado dar-me-ei por satisfeito. — Voltou-se para o tubo: — Tudo bem, capitão. Navegue a dois nós horários até eu ordenar que pare.

Começamos a nos mover lentamente afastando-nos da borda do abismo. Desde que a escuridão não nos salvara do ataque, resolvemos acender as luzes novamente. Um dos postigos estava inteiramente obscurecido pelo que parecia ser o ventre do monstruoso crustáceo. Sua cabeça e suas grandes pinças estavam em ação acima de nós e ainda continuávamos a balançar de um para outro lado, como um sino a badalar. A força daquele animal deveria ser enorme. Quando um grupo de homens já se teria visto em tal situação, com cinco milhas de água abaixo e um tão horrível monstro acima? As oscilações se tornavam cada vez mais violentas. Ouvimos pelo tubo a voz agitada do capitão que notara os balanços do cabo e Maracot pôs-se de pé num pulo com as mãos estendidas desesperadamente para cima. Mesmo de dentro de nossa caixa percebemos o ruído dos fios do cabo arrebentando e dali a um instante tombávamos no desmesurado pego que se abria a nossos pés.

Quando volto o olhar para aquele horrível instante, recordo-me como num sonho de ter ouvido um brado selvagem de Maracot.

— O cabo partiu-se! Nada podem fazer! Estamos todos perdidos! gritava ele agarrado ao telefone. Adeus, capitão, adeus a todos!

Foram estas as nossas últimas palavras ao mundo dos homens. Não caímos rapidamente, como poderias imaginar. Apesar do peso de nossa caixa, o fato de ser oca tornava-a relativamente leve e era por isso lenta e suavemente que mergulhávamos no abismo. Ouvimos um som áspero ao escaparmos por entre as garras do horrível monstro que fora nossa ruína e despencamos com um lento movimento giratório pelas profundezas abissais. Deviam ter decorrido cinco minutos, que contudo nos pareceram uma hora, até o momento em que alcançamos o limite de nosso fio telefônico, que foi arrebentado como se fosse um fio de linha. Nossos tubos de ar romperam-se quase ao mesmo tempo e a água salgada penetrou em jorros pelos orifícios interiores dos mesmos. Com movimentos rápidos e prontos, Bill Scanlan amarrou cordas ao redor de cada um dos tubos de borracha e assim interrompeu a inundação que se iniciava, enquanto o doutor soltava o nosso ar comprimido, que saiu silvando dos tubos. A luz se apagara quando o fio arrebentou, mas mesmo no escuro Maracot conseguiu pôr em atividade as pilhas secas de Hellesens, que acenderam algumas lâmpadas do teto.

— Darão para uma semana, disse ele com um sorriso forçado. Pelos menos não morreremos no escuro. — Sacudiu a cabeça tristemente e um sorriso de compaixão perpassou-lhe pelas feições pálidas. — Que isto sucedesse a mim era justo. Sou um homem velho e já vivi demais. Só lamento é ter trazido comigo dois jovens cheios de vida. Deveria ter corrido o risco sozinho.

Limitei-me a apertar sua mão para confortá-lo, pois na verdade não havia nada que eu pudesse dizer. Bill Scanlan também permaneceu silencioso. Lentamente mergulhávamos, tendo apenas consciência da nossa velocidade pelas sombras de peixes que víamos perpassar em frente de nossas janelas. Parecia antes serem eles que se precipitavam para cima do que nós que descíamos. Nossa caixa ainda continuava a oscilar e não havia nada que a impedisse de voltar-se de lado ou virar de cabeça para baixo. Seu peso, felizmente, estava distribuído de modo tal que o assoalho se conservava estàvelmente para baixo. Olhando para o batímetro, vi que já atingíramos a profundidade de uma milha.

— Como vê, sucede realmente o que eu previa, observou Maracot com alguma negligência. Certamente leu meu artigo nos Relatórios da Sociedade Oceanográfica sobre a relação existente entre a pressão e a profundidade. Desejava poder mandar ao mundo duas palavras, nem que fosse apenas para confundir Bulow de Giessen, que ousou contradizer-me.

— Co'os diabos! Se eu pudesse mandar de volta duas palavras para o mundo, não as gastaria com um careca qualquer, suspirou o mecânico. Há em Filadélfia uma bela pequena que derramará lágrimas quando souber que Bill Scanlan se foi. Mas enfim, não deixa de ser uma morte bem apresentável.

— Você não deveria ter vindo, disse eu tomando-lhe a mão.

— Mas que papelão não seria o meu se eu não viesse? replicou ele. Não, não, eu devia vir e estou satisfeito por ter vindo.