120473.fb2 A cidade submarina - читать онлайн бесплатно полную версию книги . Страница 8

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«Obrigados, caros amigos. Muito admiramos sua grande lealdade e desprendimento. Recebemos seus radiogramas com facilidade e apenas estamos em condições de poder responder-lhes deste modo. Esforçamo-nos por alcançar sua sonda, mas as correntes marinhas a elevam muito alto e a velocidade dela é maior do que a do mais rápido de nós, por causa da resistência da água. Pretendemos executar nossos planos amanhã cedo, às seis horas, correspondendo, de acordo com nossos cálculos, ao dia 5 de julho, terça-feira. Iremos um de cada vez, de modo que qualquer coisa que suceda possa ser transmitida aos que devam ir depois. Mais uma vez, sinceros agradecimentos.

Maracot, Headlei, Scanlan».

Damos agora a palavra ao sr. Osborne:

«Era uma linda manhã. O profundo mar de safira achava-se liso como um lago, e nem a menor nuvem turbava a limpidez maravilhosa do céu azul. Desde bem cedo toda a tripulação do «Marion» se achava a postos e aguardava os acontecimentos com o mais intenso interesse. Ao se aproximarem as seis horas, nossa expectativa se tornava cada vez mais penosa. Um vigia fora postado no mastro de sinais e faltavam justamente cinco minutos para a hora marcada quando o escutamos gritar e o vimos apontando para a água. Todos nós corremos para o lado que ele apontava e eu consegui içar-me a um dos botes, donde pude observar tudo. Vi através da água tranqüila alguma coisa que parecia uma bola de prata subindo com grande rapidez das profundezas do oceano. Atingiu a superfície a umas duzentas j ar das do navio e subiu em linha reta no ar. Era um belo globo brilhante de três pés de diâmetro, que, depois de se elevar a grande altura, derivou, levado por uma corrente de ar, exatamente como sucederia com um desses balõezinhos de criança. Era um espetáculo maravilhoso, mas encheu-nos de apreensão, pois receávamos que tivesse trazido uma carga consigo e que esta se houvesse desprendido no caminho através das águas. Expediu-se imediatamente um radiograma:

«Seu mensageiro apareceu perto do navio. Não trazia nada preso por fora e foi arrastado pelo vento.» Logo em seguida arriamos um bote de modo a estarmos preparados para qualquer eventualidade.

Logo depois das seis horas houve outro sinal de nosso vigia e dali a um instante via através das águas outro globo de prata, que subia muito mais lentamente que o primeiro. Chegando à superfície ele flutuou no ar, mas sua carga foi conservada sobre a água. Examinando-a, vimos que era constituída por um grande pacote de livros, papéis e vários outros objetos, tudo encerrado num invólucro de pele de peixe. Foi içado escorrendo água para o tombadilho e expedido um novo radiograma, enquanto esperávamos ansiosamente pela bola seguinte.

Não demorou muito tempo a vir. Surgiu de novo a bola de prata e atravessou novamente a superfície, mas desta vez aquele globo brilhante subiu a grande altura no ar tendo suspenso, com surpresa nossa, o corpo esbelto de uma mulher. Fora apenas o impulso que a fizera subir e dali a poucos momentos era ela levada para o lado do navio. Um círculo de couro fora firmemente adaptado ao hemisfério superior da bola e deste círculo desciam longas tiras que estavam presas a um largo cinto de couro, ao redor de sua fina cintura. A parte superior de seu corpo estava coberta por um estranho invólucro piriforme de vidro — chamo-lhe vidro, mas realmente era do mesmo material leve e resistente que a bola. Era quase transparente e apresentava finas veínulas prateadas através de sua substância. Este invólucro de vidro possuía peças elásticas que se adaptavam na cintura e nos ombros, tornando completamente impossível a entrada da água, e era provido no interior de estranhos aparelhos químicos de aspecto esquisito, mas muito leves e práticos para a renovação do ar. Com alguma dificuldade foi removido o invólucro de vidro e a moça içada para o tombadilho. Ela se achava desacordada, mas sua respiração regular encorajava-nos a supor que logo se restabeleceria dos efeitos daquela rápida viagem e brusca mudança de pressão. Presumimos ser ela a mulher atlante a que a primeira mensagem se referia como chamando-se Mona e, se a podemos tomar como amostra, eles constituem realmente uma raça que vale a pena reintroduzir na terra. Seu rosto é moreno e gracioso, de traços regulares e delicados; tem longos cabelos negros e magníficos olhos amendoados, que olhavam agora ao seu redor num encantador espanto. Enfeites de conchas e nácar ornavam-lhe a túnica de cor creme e os cabelos escuros. Não se poderia imaginar mais perfeita Náiade do Pélago, uma personificação mais viva do mistério e beleza do mar.

Vimos a consciência voltar aos poucos àqueles maravilhosos olhos e subitamente ela se pôs de pé num salto, com a vivacidade de uma corça selvagem, e correu para a amurada do navio chamando: «Cirus! Cirus!»

Já havíamos acalmado a ansiedade dos que esperavam embaixo por meio de um radiograma. Logo em seguida, em rápida sucessão, vimo-los chegar um de cada vez. Elevavam-se trinta ou quarenta pés no ar e caíam logo na água, donde rapidamente os retirávamos. Todos os três chegaram desacordados à superfície e saía sangue pelo nariz e ouvidos de Scanlan, mas no fim de uma hora já estavam novamente aptos a por-se em pé. O primeiro ato de cada um foi, ao que me parece, bem característico. Scanlan foi arrastado por um grupo jovial até o bar, donde vêm agora exclamações alegres, muito em detrimento deste trabalho. O Dr. Maracot pegou o maço de papéis, tirou um deles, coberto apenas, ao que me parecia, por símbolos algébricos, e desapareceu pela escada abaixo, ao passo que Cirus Headlei correu para o lado de sua estranha companheira, parecendo ter tenções de nunca mais a deixar. O caso está neste pé e confiamos em que nossa fraca estação possa levar o nosso radiograma até a estação de Cabo Verde. Detalhes mais pormenorizados desta espantosa aventura virão mais tarde, como convém, de seus próprios protagonistas.»

CAPÍTULO VI

São numerosas as pessoas que têm escrito tanto a mim, Cirus Headlei, aluno da Escola Rhodia de Oxford, como ao Professor Maracot e mesmo a Bill Scanlan desde nossa notável estadia no fundo do Atlântico, onde nos foi dado, num local situado a 200 milhas a sudoeste das Canárias, fazer uma descida de que não só resultou a modificação total de nossas idéias sobre a vida e pressão nas grandes profundidades, como ainda revelou a sobrevivência de uma antiga civilização sob condições incrivelmente difíceis. Nestas cartas constantemente nos pedem para darmos maiores detalhes sobre nossa aventura. Como é lógico, minha primeira narrativa era muito superficial, embora desse conta da maioria dos fatos. Houve alguns sucessos, porém, que não foram narrados e principalmente o pavoroso episódio do Senhor do Torvo Semblante. Este envolvia certos fatos e conclusões de tão extraordinária natureza que todos nós julgamos melhor naquela ocasião deixá-lo inteiramente de lado. Agora, contudo, que a ciência aceitou nossas conclusões e — acrescentarei — que a sociedade aceitou minha noiva, ficou estabelecida a nossa veracidade e talvez nos possamos aventurar a uma narrativa que antes provocaria a incredulidade. Antes, porém, de encetar a narração deste estranho episódio, tratarei de alguns sucessos que com ele se relacionam, reminiscências daqueles meses cheios de imprevisto que passamos na terra submersa dos atlantes, os quais, armados de suas campanas de vidrina, conseguiam caminhar pelo leito do oceano com a mesma facilidade com que aqueles londrinos que agora vejo de minhas janelas do Hyde Park Hotel estão a passear entre os canteiros de flores.

A princípio quando fomos recebidos por aquele povo após nossa queda da superfície, estávamos mais na posição de prisioneiros que de hóspedes. Desejo agora narrar como, graças ao Dr. Maracot, deixamos lá embaixo tal renome que a nossa lembrança passará aos seus anais como a de alguma visita celeste. Nada souberam de nossa partida, que teriam impedido se pudessem, e assim já deve haver entre eles uma lenda sobre nosso regresso a alguma esfera celestial, levando conosco a flor mais bela e adorável da sua gente.

Procurarei agora expor em sua devida ordem algumas das estranhas coisas que observamos naquele mundo maravilhoso, e também algumas das aventuras que nos sucederam até depararmos com a maior de todas elas — uma que deixará para sempre sua impressão sobre todos nós — a volta do Senhor do Torvo Semblante. Sob certos pontos de vista, desejaria que nos tivéssemos demorado mais tempo no Pélago de Maracot, pois lá ainda existiam para nós muitos mistérios. Além disso, já estávamos aprendendo rapidamente a língua que falavam, de modo que logo teríamos muito maior facilidade para obter informações. - A experiência ensinara a este povo a distinguir o terrível do inofensivo. Um dia lembro-me de que houve um súbito alarma. Acompanhando o exemplo de nossos hóspedes, todos nós vestimos nossas campanas de oxigênio e lançamo-nos a correr pelo leito do oceano, se bem que a razão de tudo isto nos fosse um mistério. Não havia porém engano possível quanto à expressão de horror e agitação que havia nos rostos dos que nos cercavam. Quando saímos para a planície encontramos um grande número de mineiros gregos que se dirigiam a toda a pressa para a porta da nossa colônia. Haviam caminhado com tal afobamento e estavam tão cansados que muitos caíam no lodo completamente esgotados, e era mais que evidente que constituíamos uma expedição de socorro, com o objetivo de recolher estes e apressar os retardatários. Não vimos nenhuma arma em poder de nossos companheiros nem sinais que denunciassem propósitos de resistência contra o perigo que se avizinhava. Logo que o último mineiro foi empurrado através da porta nós voltamos o olhar para o caminho por que haviam vindo. Tudo o que podíamos lobrigar eram duas nuvens esverdeadas, lembrando fogos-fátuos, luminosas no centro, apresentando radiações para as bordas, que pareciam antes derivar que mover-se em nossa direção. Ao vê-las assim claramente, se bem que estivessem ainda a meia milha de distância, nossos companheiros foram tomados de pânico e puseram-se a bater na porta, ansiosos por entrar o mais depressa possível. Era realmente atemorizador ver estes dois entes maléficos aproximando-se, mas as bombas trabalhavam rapidamente e dali a pouco tempo nos achávamos novamente em segurança. Acima da porta havia um grande bloco de cristal transparente, de dez pés de comprimento por dois de largura, com luzes colocadas de modo tal que lançavam um forte clarão para o exterior. Subindo em escadas conservadas ali especialmente para esse fim, vários dentre nós, inclusive eu mesmo, ficamos à espreita. Vi aqueles dois estranhos e bruxuleantes círculos de luz pararem em frente da porta. Vendo isto, os atlantes de um e de outro lado de mim estremeceram de pavor. Subitamente um daqueles entes sombrios elevou-se com sua trêmula luminosidade através da água e dirigiu-se para a nossa janela de cristal. Imediatamente meus companheiros puxaram-me para fugir ao seu campo de visibilidade, mas parece que devido à minha negligência parte de meus cabelos não ficou a salvo da influência maléfica — qualquer que fosse ela — emitida por estes estranhos seres. Possuo até hoje uma mecha deles completamente branca desde esse dia.

Só muito tempo depois é que os atlantes ousaram abrir a porta do refúgio, e quando por fim foi enviado um explorador, este partiu entre apertos de mão e tapas amistosos nas costas, como uma pessoa que pratica uma meritória façanha. A notícia que trouxe é de que não havia mais perigo, e logo a alegria voltou à comunidade e esta estranha visita pareceu ser esquecida. Somente ficamos sabendo, por ouvir a palavra «Praxa» pronunciada em vários tons de terror, que era este o nome daqueles entes. A única pessoa que de fato se alegrou com o incidente foi o Professor Maracot, ao qual nos custou impedir que saísse à sua procura.

«Uma nova espécie de vida, parte orgânica, parte gasosa e visivelmente inteligente», comentou ele. «Um espírito saído do inferno» observou Scanlan menos cientificamente.

Saindo dali a dois dias para uma expedição de estudos, quando caminhávamos entre os ervaçais das plantas marinhas capturando em nossas redes de mão espécimes de pequenos peixes, demos subitamente com o corpo de um dos operários das minas de carvão, que sem dúvida fora surpreendido em sua fuga por aqueles estranhos entes. A campana de vidro fora quebrada — o que exigia enorme força, pois a substância de que é feita é extraordinariamente resistente, como viram quando quiseram tirar meu primeiro documento. Os olhos do mineiro haviam sido arrancados, mas era este o único sinal de violência que se notava em seu corpo.

— Um gastrônomo de gostos bem delicados! disse o professor depois de nosso regresso. Existe na Nova Zelândia uma ave de rapina que mata o cordeiro apenas para retirar um pedaço particular de gordura que há acima dos rins. Este animal mata então o homem por causa dos olhos. Quer nos céus quer nas águas a natureza apenas conhece uma lei — a da crueldade fria.

Tivemos numerosos exemplos dessa terrível lei nas profundezas do oceano. Lembro-me por exemplo de que várias vezes observamos um curioso sulco no lodo batibiano, como se um barril cheio tivesse sido rolado sobre ele. Apontamo-lo para os nossos companheiros e quando pudemos interrogá-los tentamos fazer com que nos contassem alguma coisa sobre esse animal. Como seu nome, nossos amigos repetiram várias vezes um daqueles encadeamentos ásperos de sílabas que tão freqüentemente se encontram na linguagem dos atlantes, e que não podem ser reproduzidos nem por línguas de europeus nem pelo nosso alfabeto. Krixchok é talvez uma aproximação dessa palavra. Quanto ao seu aspecto, utilizamo-nos para sabê-lo do refletor do pensamento, como,sempre fazíamos em tais conjunturas e por cujo intermédio nossos amigos nos podiam dar uma clara idéia do que estava em seus espíritos. Por este meio mostraram-nos eles a imagem de um estranho ser marinho que o professor apenas pôde classificar como uma gigantesca lesma do mar. Parecia ser um animal de grande tamanho, em forma de salsicha, com olhos situados na extremidade de pedúnculos e possuindo um basto revestimento de pêlos ou cerdas. Enquanto nos mostravam esta imagem, nossos amigos exprimiam-nos por gestos o horror e repulsa que experimentavam.

Mas tudo isto, como poderia prever quem conhecesse bem Maracot, só serviu para ainda mais inflamar sua curiosidade científica, tornando-o ainda mais ansioso por determinar de um modo exato a espécie deste monstro desconhecido. Por isso, não fiquei surpreendido quando em nossa primeira excursão ele parou no ponto em que se via o rasto do mesmo sobre o lodo e voltou-se deliberadamente para a enrediça de plantas marinhas e rochas basálticas donde parecia ter vindo. No momento em que deixamos a planície, porém, perdemos de vista o rasto, mas as rochas formavam naquele ponto um abrigo natural que deveria provavelmente conduzir à toca do monstro. Estávamos todos os três armados com o varão metálico que os atlantes geralmente carregam consigo, mas eles me pareciam armas bem frágeis para se enfrentarem perigos desconhecidos. O professor, porém, avançou na frente e o único recurso que tínhamos era acompanhá-lo.

Aquela garganta de rochas estendia-se para cima, tendo as paredes formadas de enormes blocos de formação vulcânica e o chão coberto de uma profusão de longas lamelárias vermelhas e negras, que são características das extremas profundidades oceânicas. Um milheiro de belas ascídias e equinodermas de cores vivas e formas caprichosas espreitava dentre esta vegetação povoada de estranhos crustáceos e baixas formas da vida animal. Avançávamos lentamente, pois não é fácil caminhar nas profundezas marinhas, ainda mais tendo-se que vencer uma subida escarpada. Subitamente, porém, avistamos o animal que procurávamos e a visão não era das mais animadoras.

Estava com o corpo saído a meio de sua toca, que era uma escavação num penedo basáltico. Viam-se cerca de cinco pés de um corpo peludo e notamos o mover de seus olhos grandes, como pires, amarelos e brilhantes como ágatas, girando lentamente sobre seus longos pedículos ao pressentir nossa aproximação. Devagar, então, começou a sair de seu abrigo, agitando seu corpo ao caminhar como uma lagarta. Em dado momento levantou a cabeça a uns quatro pés do solo como para ter uma visão melhor de nós e observei então que tinha presa de cada lado do pescoço uma formação semelhante à sola de um sapato de tênis, ambas da mesma cor e tamanho, e de aspecto sulcado. Não conseguia conjeturar o que significaria isso, mas logo iríamos ter uma lição prática sobre sua utilidade.

O professor enristara seu varão em posição ofensiva e pela expressão resoluta de seu rosto vi logo que a esperança de obter um espécime raro varrera todo o temor de seu espírito. Scanlan e eu, porém, não estávamos assim tão confiantes, mas não podíamos abandonar o velho cientista, por isso conservamo-nos firmemente ao seu lado. O monstro, após aquele longo olhar, começou lenta e desajeitadamente a descer a encosta, arrastando-se entre as rochas e levantando de tempos a tempos seus olhos pediculados para ver o que fazíamos. Vendo-o adiantar-se tão lentamente, sentíamo-nos em segurança, pois a qualquer momento poderíamos fugir deixando-o para trás. E mal sabíamos no entanto que nos achávamos a dois passos da morte!

Foi certamente um aviso da Providência. O monstro continuava em seu avanço lerdo e sorrateiro e deveria achar-se a umas cinqüenta j ar das de nós quando um grande peixe saiu do matagal das algas que ficava ao lado da garganta e avançou lentamente por ela. Achava-se, porém, a meio caminho entre o monstro e nós quando deu subitamente um salto convulsivo, voltando-se de ventre para cima, e caiu morto no chão. No mesmo instante todos nós sentimos um estremeção estranho e desagradável percorrer-nos o corpo, ao mesmo tempo que nossos joelhos cediam ao nosso peso. O velho Maracot era tão prudente quanto audacioso e compreendera num momento a situação, desistindo da caçada. Estávamos em frente de um animal que lançava descargas elétricas para matar sua presa, e nossos varões metálicos eram tão inúteis contra ele como contra uma metralhadora. Se não fosse a feliz coincidência de aquele peixe revelar sua tática, teríamos esperado até que ele se achasse a uma distância da qual poderia despejar sobre nós toda a carga de sua bateria, que seguramente nos mataria. Raspamo-nos o mais rapidamente que pudemos, resolvidos para o futuro a deixar a gigantesca lesma em paz.

Eram estes alguns dos mais terríveis perigos do pélago. Outro, ainda, era o pequeno e terrível Hydrops ferox, como o batizou o professor. Era um peixe vermelho, pouco maior que um arenque, e possuía uma grande boca e uma formidável fileira de dentes. Era inofensivo nas circunstâncias ordinárias, mas o derramamento de sangue, mesmo de quantidades mínimas, atraía-o num instante e não havia então salvação possível para a vítima, que era cercada por legiões de atacantes. Vimos certa vez um horrível espetáculo nos poços de retirar carvão, onde um escravo teve a infelicidade de cortar a mão. Num instante, vindos de todos os lados, milhares de peixes caíam sobre ele. Inutilmente este se atirou ao chão, lutando desesperadamente; inutilmente seus companheiros horrorizados os golpearam com suas pás e picaretas. A parte inferior de seu corpo, abaixo de sua campana, dissolveu-se à nossa vista sob uma nuvem vibrante de peixes. Num momento víamos um homem. Um instante depois já só distinguíamos uma massa sangrenta com brancos ossos salientes. Dali a um minuto só se viam os ossos abaixo da cintura: era um meio esqueleto deitado no fundo do mar. Fora um espetáculo tão horrível que ficamos todos profundamente abalados. Scanlan caiu mesmo com um desmaio, dando-nos grande trabalho para o transportarmos para o refúgio.

Mas os estranhos espetáculos que presenciávamos nem sempre eram horríveis. Lembro-me de um, por exemplo, que nunca se apagará de nosso espírito. Foi numa daquelas excursões que gostávamos de fazer, algumas vezes com um guia atlante e outras sozinhos, depois que nossos hóspedes compreenderam que não necessitávamos de constantes cuidados e vigilância. Passávamos certa vez por um trecho da planície que nos era muito familiar quando verificamos, cheios de surpresa, que uma grande faixa de areia amarela, de cerca de meia jeira de superfície, fora depositada ou descoberta, posteriormente à nossa última visita. Contemplávamos aquele espetáculo com alguma surpresa, perguntando-nos que corrente submarina ou que movimento sísmico havia causado o seu aparecimento, quando vimos cheios de espanto toda aquela faixa se elevar, e passar nadando, com lentas ondulações, bem acima de nossas cabeças. Era tão grande aquele palio movediço que levou tempo relativamente considerável — um minuto ou dois — a passar acima de nós. Era um gigantesco peixe chato, não muito diferente, pelo que o professor pôde observar, de um de nossos pequenos rodovalhos, alcançando estas extraordinárias dimensões devido talvez à abundante nutrição que encontrava nos depósitos batibianos. Vimos seu vulto enorme, branco e dourado, desaparecer tremeluzindo e ondulando na escuridão das camadas mais elevadas das águas e nunca mais o avistamos.

Havia um outro fenômeno das grandes profundidades pelo qual não esperávamos. Eram os furacões que freqüentemente ocorrem aí. Parecem ser causados pela passagem periódica de correntes submarinas, difíceis de prever e terríveis em seus efeitos, causando em sua passagem tanta confusão e transtorno como as ventanias mais violentas da terra. Sem isto gerar-se-iam sem dúvida putrefações resultantes da estagnação, havendo portanto aqui, como em tudo na natureza, um excelente fim em vista; o espetáculo contudo não deixava por isso de ser alarmante.

Na primeira ocasião em que me vi envolvido em tal ciclone de água havia saído com aquela muito cara pessoa a que já aludi, Mona, a filha de Manda. Havia mais ou menos a uma milha de distância da colônia uma pitoresca elevação recoberta de algas das mais variadas cores. Era este o jardim dileto de Mona, que o tratava com especial carinho. Nele se emaranhavam lindas serpulárias cor-de-rosa, ofiúrides de cor púrpura e holotúrias rubras. Naquele dia ela me levara para vê-lo e foi enquanto estávamos lá que a borrasca começou. Tão forte era a corrente que subitamente desabou sobre nós que só nos amparando mutuamente e nos abrigando atrás das rochas é que conseguimos impedir que a água nos arrastasse. Notei que esta violenta torrente de água era quente, de um calor apenas suportável, mesmo, o que pode significar que haja uma origem vulcânica nestes fenômenos e que sejam o resultado de algum distúrbio sísmico submarino em regiões distantes do leito do oceano. A lama orgânica da grande planície foi elevada em turbilhões pela força da corrente e a claridade diminuída devido à quantidade de lodo em suspensão na água que nos cercava. Encontrar o caminho para voltarmos era completamente impossível, pois estávamos totalmente desorientados e de qualquer modo mal nos podíamos mover contra a força das águas. Para complicar ainda mais nossa situação, um peso crescente sobre o peito e certa dificuldade em respirar revelou-me que nossa provisão de oxigênio começava a esgotar-se.

É nestas ocasiões, quando nos achamos na imediata presença da morte, que as grandes paixões surgem à tona, submergindo todos os sentimentos de menor intensidade. Só naquele momento é que fiquei sabendo que amava minha graciosa companheira, que a amava com todo o meu coração, amava-a com um amor que se enraizara tão profundamente em minha alma que fazia parte de meu próprio ser. Que estranho sentimento é um amor como esse! Como é difícil analisá-lo! Não era pelo seu rosto nem pelo seu corpo adorável que a amava. Não era por sua voz, se bem que fosse a mais musical que ouvira até então, nem por estimar seus dotes de espírito, pois só podia ler seus pensamentos na expressão mutável de seu rosto. Não, o que nos unia para sempre era alguma coisa que via através de seus olhos sonhadores, um elo invisível bem no íntimo de nossas almas. Segurei sua mão na minha, lendo em seu rosto que todos os meus pensamentos e emoções chegavam até seu espírito receptivo. A morte ao meu lado não a atemorizava e quanto a mim esse pensamento me fazia o coração palpitar.

Mas isso não deveria suceder. Pensar-se-ia que nossos invólucros de vidro impediriam a penetração de todo o som do exterior, mas a verdade é que certas vibrações particulares atravessavam-nos facilmente, ou pelo seu choque contra os mesmos despertavam vibrações análogas no seu interior. Ouvi um retumbo grave e vibrante como o de um gongo distante. Não sabia o que poderia significar, mas minha companheira pareceu compreender. Segurando sempre a minha mão ela se levantou de nosso abrigo, e, após ficar alguns momentos à escuta, curvou-se e pôs-se a caminhar contra a torrente. Era uma luta contra a morte aquela, pois a cada momento a opressão que sentia no peito tornava-se mais insuportável. Vi seu rosto amado olhando ansiosamente para o meu e cambaleando pus-me a caminho na direção que ela me indicava. Sua aparência e seus movimentos mostravam-me que sua reserva de oxigênio estava menos rarefeita que a minha. Continuei caminhando enquando a Natureza o permitiu, mas subitamente tudo pareceu girar ao meu redor. Estendi os braços e caí sem sentidos sobre o fundo fofo do oceano.

Quando voltei a mim encontrava-me no meu próprio leito, no interior do Palácio Atlante. O velho sacerdote vestido de amarelo se achava ao meu lado, com um frasco de um estimulante qualquer na mão. Maracot e Scanlan estavam curvados sobre mim com uma expressão inquieta nos rostos e Mona se achava ajoelhada aos pés da cama, com as feições exprimindo terna ansiedade. Parece que a corajosa moça se tinha dirigido o mais depressa que pôde para a porta do refúgio, na qual era costume nessas ocasiões bater um grande gongo para orientar algum companheiro que se houvesse extraviado. Lá, ela explicara minha situação, tendo levado até onde me achava a expedição de salvação, da qual faziam parte meus dois companheiros, que me haviam trazido carregado. Tudo o que eu possa fazer nesta vida será na realidade Mona que o fará, pois minha vida é uma dádiva sua.

Agora que por um milagre ela veio comigo para o mundo de cima, o mundo humano que o céu recobre, é estranho refletir sobre o fato de que meu amor era tal que eu estava disposto com todas as veras da minha alma a permanecer para sempre nas profundezas oceânicas, pelo menos enquanto ela me amasse. Durante muito tempo não pude compreender aquele vínculo fortíssimo que nos unia e que eu podia ver que era sentido tão fortemente por ela quanto por mim. Foi Manda, seu pai quem me deu a sua explicação, que era tão inesperada quanto satisfatória.

Ao perceber nosso caso de amor, ele se limitara a sorrir com o ar indulgente e benévolo de alguém que vê realizar-se aquilo que já previra. Mas um dia ele me chamou e levou-me ao seu próprio quarto, onde colocara aquela tela prateada que refletia o pensamento. Nunca, enquanto estiver vivo, poderei esquecer o que ele nos mostrou a mim e a ela. Sentados lado a lado, com as mãos unidas, assistíamos arrebatados àquele suceder-se de quadros que passava diante de nossos olhos, formados e projetados graças àquela memória racial do passado que os atlantes possuem.

Apareceu uma península eriçada de rochedos, avançando por um lindo oceano azul. É bem possível que eu não tenha dito antes que nestes refletores do pensamento a cor é reproduzida tão bem quanto a forma. Neste promontório havia uma grande casa de arquitetura extravagante, vasta e bela, com seu teto vermelho e suas paredes brancas. Um pequeno bosque de palmeiras a cercava. Neste bosque parecia haver um acampamento, pois entrevíamos por entre as árvores o branco do pano das tendas e aqui e além o brilho das armas de alguma sentinela montando guarda. Fora deste bosque caminhava um homem de meia idade, vestido com uma armadura de malhas e com um pequeno e leve escudo redondo no braço. Carregava alguma coisa na outra mão, mas eu não podia distinguir se seria uma espada ou um dardo. Certa ocasião voltou o rosto para nós e vi imediatamente que era da mesma raça que os atlantes em cujo meio eu estava. Podia realmente ter sido o irmão gêmeo de Manda, tanto se parecia com ele, mas suas feições eram duras e ameaçadoras — a de um homem brutal, mas que é brutal não por ignorância, mas por sua própria natureza. A crueldade unida à inteligência constituem a mais perigosa de todas as combinações. Nessa testa alta e nesse rosto sardônico e de barba longa sentia-se a verdadeira essência do mal. Se esta era realmente alguma encarnação anterior de Manda — e este por seus gestos, parecia querer significar-nos que sim — então ele se elevara muito em alma, se não em espírito, desde essa época.

Ao se aproximar da casa vimos uma jovem sair ao seu encontro. Estava vestida à moda das gregas antigas, com uma longa túnica flutuante, a vestimenta mais simples e todavia a mais bela e majestosa que a mulher já usou. Suas maneiras ao se aproximar dele eram cheias de submissão e reverência — as maneiras de uma filha obediente dirigindo-se a seu pai. Ele contudo repeliu-a brutalmente, levantando a mão para bater-lhe. Ela recuou, mas ao fazê-lo o sol caiu em cheio sobre seu rosto belo e banhado de lágrimas e eu vi então que era a minha Mona.

A tela prateada embaciou-se e dali a um instante aparecia outra cena. Era uma enseada cercada de rochas que eu sentia pertencer àquela mesma península que já vira. Ao fundo via-se um bote de estranho formato, de extremos elevados e pontudos. Era noite, mas a lua rasgava uma esteira de prata nas águas. As estrelas familiares, as mesmas para os atlantes que para nós, luziam no céu. Lenta e cautamente o.bote se aproximava. Conduziam-no dois remadores e à proa ia um homem envolto num manto negro. Já quase na praia ele levantou a cabeça perscrutando ansiosamente os arredores. Vi seu rosto pálido e grave à luz clara do luar. Não foi necessária a nervosa pressão dos dedos de Mona sobre minha mão nem a exclamação de Manda para explicar-me aquele estranho estremeção que me percorreu o corpo ao vê-lo. Aquele homem era eu próprio.

Sim, eu, Cirus Headlei, atualmente de Nova York e Oxford; eu, o mais acabado produto da cultura moderna, havia outrora vivido no seio desta antiga e poderosa civilização. Compreendia agora porque numerosos dos símbolos e hieróglifos que vira ao meu redor me haviam dado uma vaga impressão de familiaridade. Numerosas vezes me sentira como um homem que se esforça por avivar reminiscências confusas, sentindo que está às portas de uma grande descoberta, que, embora suspeite estar próxima, sempre lhe escapa. Agora também compreendia aquele profundo abalo que sentira quando meus olhos haviam encontrado os de Mona. Viera das profundezas do meu subconsciente, onde ainda dormiam as recordações de doze mil anos.

O bote acabava de tocar a praia e das moitas acima surgira um vulto alvo. Meus braços se estenderam para recebê-la. Após um rápido abraço levara-a para o bote. Mas repentinamente houve um alarma. Com gestos frenéticos eu ordenava aos remadores que afastassem a embarcação. Mas era tarde. Homens se precipitaram de todas as moitas em volta. Mãos vigorosas empolgaram o barco. Em vão tentava repeli-los. Uma acha luziu no ar e abateu-se sobre minha cabeça. Caí de bruços, morto, sobre ela, banhando seu vestido branco com o meu sangue. Vi-a gritando de desespero, de olhar esgazeado e rosto convulso e seu pai arrancando-a pelos longos cabelos negros de debaixo do meu corpo. E tudo se tornou confuso.

Novamente se animou a tela prateada. Era o interior da casa de refúgio que fora construída pelo previdente atlante como um abrigo para o dia da condenação — a mesma em que nos encontrávamos agora. Vi seus moradores reunidos cheios de terror no momento da catástrofe. Avistei aí minha Mona novamente e também seu pai, que havia aprendido caminhos melhores e mais sábios de modo a ser agora incluído entre aqueles que deveriam ser salvos. Vimos o grande salão adernando para um e outro lado como um navio numa tempestade e os refugiados, cheios de terror, agarrando-se aos pilares ou caindo no chão. Em seguida vimos todo o edifício afundar, descendo através das águas. Novamente tudo desapareceu e Manda voltou-se sorrindo para mostrar que estava terminada a exibição.

Sim, todos nós, Manda, Mona e eu, já havíamos vivido antes e talvez viveremos ainda uma longa cadeia de vidas. Eu havia morrido no mundo que ficava acima das águas e por isso minhas reencarnações se haviam realizado aí. Manda e Mona haviam morrido sob as águas e assim fora aí que se desenrolara seu destino cósmico. Havíamos levantado por alguns momentos um ângulo do grande véu negro da Natureza e tido um vislumbre passageiro da verdade entre os mistérios que nos cercam. Cada vida é apenas um capítulo numa história que Deus arquitetou. Não podereis julgar de sua sabedoria ou de sua justiça senão quando olhardes para trás nalgum dia supremo, alcantilado nalgum pináculo de sabedoria, e virdes finalmente de um modo claro as resultantes da ação complexa das causas e efeitos através do Tempo.

Talvez tenha sido esta minha recente e deliciosa amizade que nos tenha salvo a todos, quando pouco mais tarde surgiu entre nós e a comunidade com que habitávamos a única questão séria que tivemos. Poderíamos ter-nos saído mal se um assunto de muito maior monta não tivesse vindo absorver a atenção de todos e elevar-nos enormemente em seu conceito. Foi mais ou menos assim:

Uma manhã — se tal termo se pode aplicar quando só distinguíamos as diferentes partes do dia pelas ocupações em que as empregávamos — o professor e eu achávamo-nos sentados em nosso grande quarto comum. Ele transformara um recanto do mesmo em laboratório e achava-se absorvido na dissecação de um gastrostomus que havia pescado com sua rede no dia anterior. Sobre sua mesa achava-se espalhado grande número de anfípodes e copépodes, juntamente com espécimes dos gêneros Valella, Ianthina e Physalia e uma centena de outros bichos, cujo cheiro estava longe de ser tão atraente quanto seu aspecto. Achava-me sentado perto dele, a estudar uma gramática atlante, pois nossos amigos possuíam livros em abundância curiosamente escritos da direita para a esquerda sobre um material que supus a princípio fosse pergaminho mas que vi mais tarde ser fabricado de bexigas natatórias de peixes, comprimidas e tornadas inalteráveis. Tinha resolvido apoderar-me da chave que nos proporcionaria todos os conhecimentos neles contidos e por isso estava dedicando grande parte do meu tempo ao estudo do alfabeto e elementos de sua linguagem.

Subitamente, porém, nossas tranqüilas ocupações foram rudemente interrompidas por uma extravagante procissão que irrompeu pelo nosso quarto. Primeiro apareceu Bill Scanlan muito vermelho e agitado, a brandir um dos braços, enquanto com o outro — vimos cheios de espanto — segurava uma criança rechonchuda e chorosa. Atrás dele vinha Berbrix, o mecânico atlante que ajudara Scanlan a construir o receptor de rádio. Era um homem robusto e jovial nas circunstâncias normais, mas agora seu rosto grande e gordo se achava transtornado pela aflição. Seguindo-os vinha uma mulher cujos cabelos louros e olhos azuis mostravam que não era atlante, mas pertencia à raça subordinada que supúnhamos descendesse dos antigos gregos.

— Olhe, patrão, disse o agitado Scanlan, meu amigo Berbrix é uma boa pessoa e ele com esta mulher com quem casou estão passando um mau bocado. Parece que a raça dela aqui é como a dos negros no Sul dos Estados Unidos e ele precisou falar muito para convencê-la a casar-se com ele; mas com isso acho que não temos nada que ver.

— É lógico que não, repliquei. Que bicho te mordeu, Scanlan?

— Foi o seguinte, patrão. Desse casamento nasceu uma criança, mas parece que essa gente não gosta de um produto dessa espécie, e os sacerdotes querem por isso sacrificá-la àquela imagem lá debaixo. Aquele chefe espichela já a ia levando quando Berbrix a arrancou das suas mãos e eu o mandei ao chão com um soco no ouvido. Agora todo o bando está atrás de nós e…

Scanlan não prosseguiu em sua narração, pois repentinamente ouvimos alarido e ruído de pés no corredor, nossa porta foi escancarada e vários dos servidores do templo, vestidos de amarelo, precipitaram-se para o interior do quarto. Atrás deles, feroz e austero, vinha o portentoso sumo-sacerdote de nariz adunco. Fez um sinal com a mão e seus servos precipitaram-se para agarrar a criança. Mas pararam ao ver Scanlan atirá-la entre os espécimes de animais marinhos da mesa que ficava atrás dele e pegar num bastão com que enfrentou os atacantes. Eles haviam desembainhado suas facas, por isso eu também corri com um bastão em auxílio de Scanlan, enquanto Berbrix fazia o mesmo. Nosso aspecto era tão ameaçador que os servos do templo recuaram e houve um momento de tréguas.

— Sr. Headlei, exclamou Scanlan o senhor que fala um pouco da língua deles queira dizer-lhes que não arranjarão nada aqui. Faça o favor de lhes dizer que hoje não se entregam crianças. Diga-lhes ainda que se não saírem já, haverá um tempo quente como nunca viram. Muito bem! Era isso o que você estava procurando! Agora deve estar satisfeito!

Estas últimas palavras de Scanlan eram motivadas pelo fato de o Dr. Maracot haver inesperadamente enterrado seu bisturi de dissecações no braço de um dos servidores do templo, que havia dado a volta por trás de nós e levantara sua faca para ferir Scanlan. O homem deu um grito e cambaleou de medo e dor sem saber para onde fugir, e seus companheiros se prepararam para uma investida, incitados pelo velho sacerdote. Só Deus sabe o que teria sucedido se Manda e Mona não tivessem entrado naquele momento. Aquele olhou cheio de espanto a cena que se deparava a seus olhos e fez ao sumo-sacerdote algumas rápidas perguntas. Mona se dirigiu para o meu lado e com uma feliz inspiração eu tomei a criança e coloquei-a em seus braços, onde ela se acomodou, serenando seus vagidos.

A fronte de Manda se nublara e via-se que ele se achava profundamente embaraçado para resolver aquele caso. Mandou o sacerdote com seus satélites de volta para o templo e entrou em uma longa explicação da qual apenas parte pude compreender e transmitir aos meus companheiros.

— Ele diz que precisam entregar a criança, disse eu a Scanlan.

— Entregar a criança! Não senhor. Isso é que não!

— Esta senhora se encarregará da mãe e do filho.