120550.fb2 A M?quina do Tempo - читать онлайн бесплатно полную версию книги . Страница 8

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Enquanto eu me punha de pé, enjoado e confuso, vi de novo o objeto que se mexia sobre o banco de areia — e não havia mais dúvida, agora, de que ele se mexia — recortado contra a superfície vermelha do mar. Era uma coisa redonda, talvez do tamanho de uma bola de futebol, ou, quem sabe, um pouco maior, munida de tentáculos que ela arrastava. Dava saltos intermitentes e desajeitados, e parecia negra contra o fundo cor de sangue da água. Nesse momento, tive a impressão de que ia desfalecer. Porém o medo terrível de ficar abandonado naquele pavoroso mundo crepuscular deu-me forças para subir na máquina.

CAPÍTULO 14

E, assim, regressei. Devo ter permanecido longo tempo sem sentidos sobre a máquina. A sucessão ofuscante de dias e noites recomeçou, o sol retomou o seu brilho dourado, o céu era de novo azul. Eu respirava muito mais facilmente. Os contornos flutuantes da paisagem fluíam e refluíam. Os ponteiros dos mostradores giravam ao contrário. Tornei a ver, por fim, as sombras difusas de casas, testemunhas de uma humanidade em decadência. Também passaram, e vieram outras. Quando o ponteiro dos milhões chegou a zero, diminuí a velocidade. Fui aos poucos reconhecendo nossa pobre arquitetura atual. O ponteiro de 1.000 voltou ao ponto de partida. O dia e a noite agora se alternavam mais lentamente. As velhas paredes do laboratório surgiram em torno de mim. Com muito cuidado regulei a marcha a fim de parar.

Observei um pequeno detalhe que me pareceu deveras esquisito. Penso haver contado a vocês que, por ocasião de minha partida e antes que atingisse grande velocidade, vi a Sra. Watchers atravessar a sala como um foguete. Ao voltar, passei por esse mesmo minuto em que ela transpunha o laboratório. Porém, desta vez, todos os seus movimentos me pareceram exatamente no sentido inverso. A porta do fundo se abriu e ela, vindo de costas, deslizou silenciosamente pelo laboratório e desapareceu por trás da porta pela qual havia entrado. Um segundo antes disso, pareceu-me ver Hillyer por um instante; mas ele passou como um relâmpago.

Então parei a máquina e tornei a ver o meu velho e conhecido laboratório, minhas ferramentas, meus aparelhos, tais quais os deixara. Desci da máquina aturdido, vacilante, e sentei-me sobre meu banco. Por alguns minutos fiquei a tremer violentamente. Depois me acalmei. Via novamente em torno de mim a velha oficina, exatamente como sempre fora. Eu devia ter adormecido ali, e tudo não passara de um sonho.

Eu disse «exatamente», mas não! Quando parti, a máquina estava do lado direito do laboratório. Agora estava do lado esquerdo, encostada à parede onde vocês a viram. Essa é justamente a distância entre o relvado onde parei e o pedestal da Esfinge Branca, para cujo interior os Morlocks a levaram.

Por algum tempo meu cérebro permaneceu como que paralisado. Levantei-me finalmente e vim pelo corredor até aqui, manquejando, porque o calcanhar ainda me doía, e sentindo-me desagradavelmente sujo. Vi a Pall Mall Gazette sobre a mesa perto da porta. Estava, mesmo, datada de hoje. Olhei para o relógio: eram quase oito horas. Escutei as vozes de vocês e o ruído dos pratos. Hesitei; eu me sentia doente e muito fraco. Então senti um agradável cheiro de carne, e abri a porta. O resto vocês sabem. Lavei-me, mudei de roupa, jantei, e agora lhes estou contando a minha história.

— Sei — disse ele, após uma pausa — que tudo isso é para vocês absolutamente inacreditável. Para mim, o único fato inacreditável é estar aqui agora, nesta velha sala, contemplando os rostos de meus amigos e contando-lhes estas estranhas aventuras.

Olhou para o Médico.

— Não. Não posso esperar que acreditem. Façam de conta que é uma história inventada — ou uma profecia. Digam que eu dormi e tive um sonho na minha oficina. Ponderem que eu arquitetei essa ficção depois de entregar-me a especulações sobre o destino de nossa raça. Podem considerar minha declaração de que tudo é pura verdade como um simples artifício para aguçar o interesse. Partindo da suposição de que é apenas uma história, que é que vocês acham?

Pegou de seu cachimbo e começou, num gesto que lhe era habitual, a bater nervosamente com ele no guarda-fogo da lareira. Houve um silêncio momentâneo. Em seguida, as cadeiras começaram a ranger e os pés a alisar o tapete. Parei de olhar para o Viajante do Tempo e voltei-me para os seus ouvintes. Estavam na penumbra e diante de seus rostos bailavam pequenas volutas de fumaça. O Médico parecia absorvido na contemplação do dono da casa. O Redator-Chefe fitava obstinadamente a ponta de seu charuto — o sexto. O Jornalista parecia atrapalhado com o seu relógio de bolso. Os demais, tanto quanto me lembro, conservavam-se imóveis.

O Redator-Chefe levantou-se, com um suspiro.

— Que pena que você não seja um escritor! — disse, pousando a mão no ombro do Viajante do Tempo.

— Quer dizer que não acredita?

— Bem..

— Eu sabia que não. Virou-se para nós.

— Onde estão os fósforos?

Riscou um, aproximou a chama do fornilho e falou por entre as baforadas do cachimbo:

— A falar verdade.. custo a crer eu mesmo… E no entanto..

Seus olhos indicaram, numa indagação muda, a mesinha sobre a qual se encontravam as duas flores brancas, murchas. Depois, virou a mão que segurava o cachimbo e pude notar que o fizera para ver as feridas semicicatrizadas nos nós dos dedos.

O Médico se ergueu, foi até a lâmpada da mesinha, e pôs-se a examinar as flores.

— O gineceu é estranho — falou, segurando uma delas. O Psicólogo inclinou-se para ver, e estendeu a mão para a outra flor.

— Macacos me mordam se já não é um quarto para a uma! — exclamou o Jornalista. — Como é que vou para casa?

— Há muitos carros na estação — informou o Psicólogo.

— É curioso — disse o Médico — mas eu não saberia dizer ao certo a que ordem pertencem estas flores. Posso ficar com elas?

O Viajante do Tempo hesitou. Depois disse, num ímpeto:

— Claro que não!

— Onde as encontrou, realmente? — insistiu o Médico. O Viajante do Tempo levou a mão à fronte, e falou como se procurasse reter uma idéia que lhe fugia:

— Essas flores foram colocadas no meu bolso por Weena, quando eu viajava no Tempo. — Correu os olhos pela sala. — Com os diabos se tudo não está muito confuso! Esta sala, vocês, este ambiente familiar, tudo é demais para minha retentiva. Terei eu construído uma Máquina do Tempo ou foi um modelo de Máquina do Tempo? Será tudo isso apenas um sonho? Dizem que a vida é um sonho, um pobre belo sonho às vezes — mas eu não suportaria outro que não se harmonizasse. É uma loucura. Mas esse sonho, de onde me veio ele?. . Devo dar uma olhada nessa máquina. Se é que ela existe!

Com um gesto brusco apanhou a lâmpada e caminhou para o corredor. Nós o acompanhamos.

E a máquina lá estava, não havia dúvida, iluminada pela chama vacilante da lâmpada. Feia, acaçapada, de viés, uma coisa feita de metal amarelo, ébano, marfim e quartzo translúcido e faiscante. Sólida ao tato — pois estendi a mão e toquei na estrutura — e com manchas escuras sobre o marfim, restos de relva e musgo nas partes de baixo, e uma das barras torcida.

O Viajante do Tempo colocou a lâmpada sobre o banco e passou a mão pela barra danificada.

— Agora está tudo bem — disse ele. — A história que lhes contei é verdadeira. Desculpem tê-los trazido para este lugar tão frio.

Apanhou de novo a lâmpada e, no mais absoluto silêncio, nós o seguimos de volta à sala de fumar.

À saída, acompanhou-nos até o vestíbulo e ajudou o Redator-Chefe a vestir o sobretudo. O Médico olhou-o no rosto e, com uma certa hesitação, declarou que seu problema clínico era excesso de trabalho, ao que o Viajante do Tempo respondeu com uma risada. Lembro-me dele parado à porta, dando-nos boa-noite em voz alta.

Tomamos juntos o mesmo carro, o Redator-Chefe e eu. Para ele, tudo não passava de uma «patranha em grande estilo». De minha parte, não conseguia chegar a uma conclusão.

A história era tão fantástica e inverossímil, mas a maneira como fora contada, tão convincente e sóbria! Fiquei a maior parte da noite acordado, pensando no assunto. Resolvi voltar no dia seguinte à casa do Viajante do Tempo.

Disseram-me que estava no laboratório e, sendo uma pessoa conhecida na casa, dei uma subida até lá. No laboratório, no entanto, não havia ninguém. Contemplei por um minuto a Máquina do Tempo, depois toquei de leve na alavanca. Imediatamente, toda aquela massa pesada e sólida começou a balouçar como um ramo de árvore agitado pelo vento. Sua instabilidade foi para mim um forte choque, e curiosamente eu me lembrei de meus tempos de criança, quando sempre me proibiam de mexer nos objetos.

Voltei pelo corredor e encontrei o Viajante do Tempo na sala de fumar. Ele acabava de chegar da rua, e trazia consigo uma pequena câmara fotográfica e uma mochila. Riu ao dar comigo e, como tinha as mãos ocupadas, ofereceu-me o cotovelo para apertar.

— Estou terrivelmente ocupado — disse-me ele — com aquela máquina.

— Mas não se trata de uma burla? — perguntei. — Você de fato viaja pelo tempo?

— Viajo, sim, no sentido real e verdadeiro. — E me olhou, um olhar franco, dentro dos olhos. Pareceu indeciso um momento. Passeou os olhos pela sala. — Preciso de meia hora somente. Sei por que você veio, é uma grande gentileza de sua parte. Aqui estão algumas revistas. Se quiser ficar para o almoço, eu lhe trarei provas conclusivas de minha viagem pelo Tempo, com amostras e tudo o mais. Agora, me dá licença?

Aceitei o convite, sem compreender muito bem todo o alcance de suas palavras. Ele fez um sinal com a cabeça e saiu pelo corredor. Ouvi bater a porta do laboratório. Instalei-me numa poltrona e peguei um jornal para ler. Que iria ele fazer antes da hora do almoço? De repente, vendo um anúncio, lembrei-me de que havia marcado encontro com o editor Richardson às duas. Consultei o relógio e vi que estava quase em cima da hora. Levantei-me e dirigi-me para o laboratório a fim de avisar o Viajante do Tempo.

Mal coloquei a mão na maçaneta da porta, ouvi uma exclamação, que estranhamente não se completou, um estalido e uma pancada surda. Uma lufada de ar me apanhou em cheio quando abri a porta e turbilhonou em torno de mim. Lá de dentro veio o ruído de vidros que se quebravam e caíam sobre o soalho. O Viajante do Tempo não estava ali. Pareceu-me ver, por uma fração de segundo, uma figura indistinta, fantasmagórica, sentada sobre uma massa negra e amarela que rodopiava a uma velocidade indescritível — uma figura tão transparente que, através dela, se podia ver com a maior nitidez a mesa de trabalho, com os desenhos por cima. Mas enquanto eu esfregava os olhos o vulto se desvaneceu. A Máquina do Tempo tinha sumido. Não se via nada no canto do laboratório onde ela antes se encontrava, salvo um pouco de poeira ainda em movimento. Um vidro da clarabóia se partira e caíra no chão.

Fui tomado de um pânico irracional. Eu sabia que havia acontecido alguma coisa extraordinária, mas no primeiro momento não pude discernir o que podia ter sido. Enquanto eu estava ali paralisado, a porta que dava para o jardim se abriu e o empregado apareceu.

Olhamos um para o outro. Meu cérebro voltou a funcionar.

— O Senhor.. saiu pelo jardim?

— Não, senhor. Ninguém saiu por aí. Eu esperava encontrá-lo aqui dentro.

Então compreendi. E, arriscando-me a desapontar Richardson, resolvi aguardar a volta do Viajante do Tempo. Aguardar a segunda narrativa, talvez ainda mais estranha que a primeira, juntamente com os espécimes e as fotografias que ele iria trazer. Começo, todavia, a recear que tenha de esperar a vida inteira. O Viajante do Tempo desapareceu há três anos. E, como todos agora sabem, nunca mais voltou.

EPÍLOGO

Tudo que posso fazer é ficar imaginando. Voltará ele algum dia? Talvez tenha viajado para o passado e caído no meio dos peludos selvagens da Idade da Pedra Lascada, bebedores de sangue. Ou nos abismos do Mar Cretáceo. Ou entre os grotescos sáurios, os gigantescos répteis do Jurássico. Pode estar agora mesmo — se cabe usar essa frase — vagueando sobre um recife de coral oolítico infestado de plesiossauros, ou pelas margens de um solitário lago salgado do Período Triásico. Ou, então, se dirigiu para o futuro, para épocas mais próximas da nossa, em que os homens ainda são homens, mas as indagações de hoje estão já respondidas, e resolvidos nossos problemas mais aflitivos. Uma época em que a raça humana terá atingido o seu pleno amadurecimento — porque, de minha parte, não acho que estes nossos dias de tímidas experiências, de teorias fragmentárias e de mútua discórdia sejam o ponto culminante da humanidade!