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Desde que a Vespasiam saiu de Etla que estamos a tentar infiltrar o Império com os nossos agentes — disse Dermod, calmamente. — Conseguimos implantar oito grupos, incluindo um no próprio Mundo Central. As nossas informações sobrei a opinião pública e a máquina de propaganda usada para a manipular são razoavelmente correctas.
«Sabemos que o ódio contra nós é grande, por Causa da questão de Etla, ou antes, por causa do que supõem termos feito em Etla, mas falaremos disso depois. O que acaba de acontecer torna as coisas ainda piores para nós…»
Segundo o Governo Imperial, segundo Dermod explicou, Etla fora Invadida pelo Corpo de Monitores. Os seus nativos, sob o disfarce da oferta de assistência médica, tinham sido usados como cobaias para o ensaio de Vários tipos de armas bacteriológicas. Não era uma prova disso o facto de os Etlanos terem sofrido uma série de epidemias devastadoras que tinham começado poucos dias depois da partida dós monitores? Esse comportamento cínico e desumano não podia deixar de ser punido, e o
Imperador tinha a certeza de que todos os cidadãos o apoiavam na decisão que tO’Mara.
Mas as informações recebidas — sempre segundo as fontes Imperiais — através de um agente dos invasores que fora capturado, tornara evidente que o comportamento deles em Etla não fora um caso isolado de brutalidade insensata. Nesse infeliz planeta os invasores tinham sido precedidos por um extraterrestre? uma criatura estúpida e inofensiva que fora enviada para sondar as defesas do planeta antes de eles pousarem, um simples instrumento em relação ao qual tinham negado qualquer ligação ou conhecimento quando mais tarde haviam entrado em contacto com as autoridades Etlanas. Era evidente agora que eles tinham feito um largo uso de criaturas alienígenas… Usavam-nas como servos, como animais experimentais e provavelmente como alimento…
Havia uma estrutura tremenda mantida pelos invasores, uma combinação de base militar e laboratório em que atrocidades semelhantes às praticadas em Etla eram realizadas como se fossem absolutamente normais. O agente invasor, que através de um estratagema indicara as coordenadas espaciais dessa base, confessara o que acontecia nela. Parecia que os invasores dominavam um grande número de espécies extraterrestres diferentes e que era ali que se estudavam os métodos e as armas pelos quais elas eram dominadas.
O Imperador afirmara que estava muito disposto e considerava até ser seu dever usar das suas forças para esmagar aquela maldita tirania. Sentia também que devia usar apenas forças Imperiais, porque tinha de confessar com vergonha que as relações entre o Império e os extraterrestres nunca tinham sido tão calorosas como deviam ter sido. Mas se qualquer dessas espécies desprezadas no passado quisesse oferecer o seu auxílio ele não o recusaria…
— E isso explica muitos dos aspectos estranhos desses ataques inimigos — prosseguiu Dermod. — Estão a restringir-se a armas vibratórias e químicas e no espaço confinado da nossa esfera de defesa temos de fazer o mesmo porque este lugar deve ser capturado em vez de destruído. O Imperador precisa de descobrir as posições dos planetas da Federação para fazer prosseguir a guerra. O facto de combaterem de tal modo, e até à morte, pode ser explicado pelo receio da captura, porque para eles o Hospital não passa de uma câmara de torturas em pleno espaço.
«E este ataque completamente malogrado deve ter sido organizado por algum dos amigos alienígenas do Império, que provavelmente foram levados a vir para aqui sem qualquer treino adequado e sem informações sobre as nossas defesas. Foram aniquilados e isso fará pender para o lado do Império aqueles que ainda estão hesitantes.»
Quando o comandante da Armada se calou, Conway nada disse: tinha lido os relatórios sobre o Império enviados a Williamson e sabia que Dermod não exagerava a situação. O’Mara tivera informações semelhantes e manteve o mesmo silêncio lúgubre. Mas o Dr. Mannen não estava habituado ao silêncio.
— isso é ridículo! — explodiu ele. — Estão a deformar as coisas! Isto é um hospital, não é uma câmara de tortura. E acusam-nos de coisas que eles fazem!
Dermod ignorou os protestos, mas de uma maneira não ofensiva. Disse num tom sóbrio: — O Império é politicamente instável. Se tivermos tempo suficiente poderemos substituir o seu governa actual com qualquer coisa mais desejável. Os cidadãos Imperiais farão isso evidentemente. Mas precisamos de tempo. E teremos também de evitar que a guerra alastre demasiado e ganhe demasiado ímpeto. Se houver um número excessivo de aliados alienígenas junto do Império, a situação tornar-se-á demasiado complexa e as razoes originais para a luta, ou a verdade ou a falsidade dias acusações deixarão de ter qualquer importância.
«Poderemos ganhar tempo se nos aguentarmos tanto quanto possível, mas não podemos fazer muita coisa para restringir a guerra. Tudo quanto nos resta é a esperança.»
Puxou o capacete para a frente e começou a apertá-lo, ainda que mantivesse o visor aberto para conversar. Foi então que Mannen fez a pergunta que Conway queria fazer havia muito tempo, mas tivera sempre receio de fazer.
— Na verdade teremos alguma possibilidade de aguentar isto?
Dermod hesitou um momento. Depois disse: — Um globo defensivo bem apoiado e abastecido é a posição táctica ideal, Mas se os efectivos inimigos forem bastantes, é urna ratoeira perfeita…
Quando Dermod partiu, o espécime que ele trouxera consigo foi reclamado por Thornnastor, o Tralthano que era o diagnosticador encarregado da Patologia, e que sem dúvida iria sentir-se feliz com ele durante alguns dias. O’Mara voltou para o seu posto e Mannen e Conway voltaram para as suas enfermarias. As reacções do pessoal sobre a possibilidade de os extraterrestres participarem nos ataques. Dividiram-se em partes iguais, entre a preocupação pelo alargamento da guerra e o interesse pelas técnicas necessárias para tratar vítimas pertencentes a espécies absolutamente novas.
Mas passaram-se duas semanas sem, que o esperado ataque surgisse. As naves de guerra do Corpo de Monitores continuaram a chegar, despachando os seus astrogadores em salva-vidas, e tomavam as suas posições. Das vigias do Hospital elas pareciam cobrir o céu, corno se o Geral do Sector fosse o centro de uma vasta e ténue nebulosa formada por naves de combate. Era uma visão espantosa e reconfortante, e Conway procurava visitar uma das vigias pelo menos uma vez por dia.
No regresso de uma dessas visitas, encontrou um grupo de Kelgianos,
Durante um momento não quis crer no que vira. Todos os DBLF Kelgianos tinham sido evacuados e ele próprio vira o último partir, mas estavam ali cerca de vinte dessas lagartas grandes, todas aos pulos, formando uma fila. Ao vê-las mais de perto notou que não usavam a cinta habitual, com emblemas médicos ou de engenharia: o seu pêlo prateado estava pintado com círculos e losangos vermelhos, azuis e negros. Era a insígnia militar kelgiana. Conway correu para O’Mara.
— ?… Ia fazer a mesma pergunta, Doutor, mas numa linguagem muito mais respeitosa — disse o Psicólogo-Chefe numa voz rouca, apontando para o visor. — Estou a tentar comunicar com o comandante da Armada portanto deixe-se de gritos e sente-se
O rosto de Dermod surgiu alguns momentos depois.
O seu tom era cortês mas apressado quando disse: — Isto não é o Império, cavalheiros. Tínhamos a obrigação de informar o governo da Federação, e através dele o povo, do verdadeiro estado da situação tal como a vemos, ainda que a notícia sobre o ataque da força alienígena inimiga ainda não tenha sido tomado público.
«Mas podem crer que os extraterrestres dentro da nossa Federação sentem o mesmo que nós. Houve extraterrestres que ficaram no Geral do Sector, e nos seus mundos natais os seus amigos começam a sentir que devem vir aqui, ajudar-nos a defendê-los, Ê apenas isso.»
— Mas disse-nos que não queria que a guerra alastrasse! — Protestou Conway.
— Não lhes pedi para virem aqui, Doutor — disse secamente Dermod. — Mas agoira que estão aqui, por certo que poderei fazer bom uso deles. Os últimos relatórios indicam que o ataque seguinte será decisivo…
O ataque começou três semanas depois, ao fim de um período durante o qual nada acontecera além da chegada de Uma força de voluntários Tralthanos e uma nave solitária cuja tripulação e planeta de origem não eram conhecidos de Conway e cuja classificação era QUGL. Soube que o Geral do Sector nunca tivera oportunidade de receber essas criaturas porque eram membros recentes — e muito entusiásticos — da Federação. Conway preparou uma pequena enfermaria para receber as possíveis vítimas dessa espécie, enchendo-a com! a névoa horrivelmente corrosiva que eles usavam como atmosfera e intensificando a luz até ao azul duro, actnico, que os QLCL consideravam repousante.
O ataque começou de uma maneira quase preguiçosa. O principal globo de defesa mal pareceu perturbado pelos três ataques sem importância, lançados em pontos largamente separados da sua superfície. Tudo quanto era possível ver eram três pequenos e confusos torvelinhos — pontos de luz em movimento que eram naves, mísseis, antimísseis e explosões — que pareciam demasiado lentos para serem perigosos. Mas a lentidão era apenas aparente porque as naves manobravam a um mínimo de 5 G com os dispositivos automáticos antigravitacionais a evitarem que as tripulações fossem reduzidas a polpa pelas tremendas acelerações, e os mísseis deslocavam-se a qualquer coisa como 50 G. Os largos campos de repulsão que por vezes desviavam os mísseis eram invisíveis, tal como os pressores e os matraqueadores que quase sempre detinham o que os campos não podiam conter. Mesmo assim» aquilo era apenas uma sondagem inicial das defesas do Hospital, unia série de patrulhas ofensivas o subir do piano…
Conway retirou-se da vigia e dirigiu-se para o seu posto. Mesmo as escaramuças sem importância produziam vítimas e não tinha o direito de estar ali, como um simples espectador.
Durante as doze horas seguintes, as vítimas chegaram pouco a pouco, mas sem interrupção. Então os pequenos ataques de sondagem tornaram-se em: arremetidas brutais e os feridos começaram a aumentar, de uma maneira irregular. Quando o ataquei se iniciou verdadeiramente, tornaram-se numa torrente.
Conway perdeu o sentido do tempo, de quem eram os seus assistentes, e do número de casos que tratou. Houve muitas vezes que necessitou de estimulantes! mas eles agora eram proibidos em todas as circunstâncias — o pessoal médico já tinha muito que fazer e mais teria se alguns dos seus membros se tornassem doentes. Por vezes tinha a seu lado o enorme corpanzil de um Tralthano, por vezes o de um servente de enfermagem do Corpo, e por vezes a Murchison. As mais das vezes a Murchison. Ou ela não precisava de dormir ou dormitava ao mesmo tempo que ele, e mesmo num momento como aquele sentia-se ainda mais inclinado a notar a presença dela. Em geral era a Murchison que lhe metia comida pela boca abaixo e lhe dizia quando ele na verdade se devia deitar.
No quarto dia o ataque não dava qualquer sinal de diminuir de intensidade. Os matraqueadores montados no casco exterior trabalhavam quase continuamente; e a energia que consumiam obrigava as luzes a variarem de intensidade. Eram armas baseadas nas grelhas antigravitacionais e ora puxavam ora empurravam — vibravam como matracas — e, seguindo a maneira como eram focadas, podiam imprimir acelerações de 80 G, ora num sentido, ora noutro, muitas vezes por minuto. Naturalmente nem sempre estavam perfeitamente focadas, mas mesmo assim eram capazes de arrancar chapas do casco das naves ou, no caso das mais pequenas, agitá-las como uma roca nas mãos de uma criança.
Os matraqueadores tinham muito que fazer. As forças do Império atacavam de uma maneira selvagem, comprimindo o globo exterior de defesa dos Monitores contra o casco exterior do Hospital. A luta próxima era somente travada com os matraqueadores, porque o espaço se tornara demasiado congestionado para que pudessem ser lançados indiscriminadamente mísseis. Isso no que dizia respeito às naves em luta, pois que continuavam a ser lançados mísseis contra o Hospital, provavelmente centenas deles, e alguns conseguiam alcançar o alvo. Pelo menos cinco vezes Conway sentiu o choque indicador, sob as solas dos seus sapatos presos ao pavimento da sala das operações.
Acabara de tratar de um caso particularmente mau, com a assistência da Murchison e de um enfermeiro Tralthano, quando deu conta da presença de um DBLF na sala. Conway familiarizara-se com as cores usadas pelos militares Kelgianos para indicar a sua hierarquia, e viu que aquele usava um símbolo adicional que o identificava como médico.
— Venho substitui-lo, Doutor — disse o DBLF numa voz que, através do Tradutor, pareceu átona e calma. — Tenho experiência do tratamento da vossa espécie. O Major O’Mara o quer imediatamente na Escotilha Doze
Conway apresentou-lhe apressadamente a Murchison e o Tralthano — havia outro ferido a ser transportado para ali e teriam de trabalhar dentro de momentos — e perguntou: — Porquê?
— O Dr. Thornnastor ficou ferido quando fomos atingidos pelo último míssil — respondeu o Kelgiano, pulverizando os seus manipuladores com o plástico que eles usavam em vez de luvas. — É necessário alguém com experiência de extraterrestres para tomar conta dos pacientes de Thornnastor e dos FGLI que estão a surgir agora na Escotilha Doze. O Major O’Mara que os observe tão depressa quanto possível para saber quais as gravações de que precisa
«E leve um fato de pressão, Doutor — acrescentou o DBLF quando Conway se voltou para sair. — O piso acima deste está a perder ar…»
Houvera pouco que fazer na Patologia desde a evacuação, mas o diagnosticador encarregado desse departamento demonstrara a sua versatilidade, tomando a seu cargo a principal secção de tratamento de feridos. Além dos FGLI da sua própria espécie Thornnastor encarregara-se de DBLF e humano-terrestres, e os pacientes que tinham tido a tratá-los o enorme irascível mas incrivelmente brilhante Tralthano a cuidar deles podiam considerar-se muito afortunados. Conway perguntou a si próprio qual seria a gravidade dos ferimentos uma vez que o médico Kelgiano não lho pudera dizer.
Passou por uma vigia e olhou rapidamente para fora. Pareceu-lhe ver — uma nuvem de pirilampos furiosos. O corrimão a que ele estava agarrado bateu-lhe na mão, indicando que outro míssil atingira o seu alvo não muito longe dali.
Havia na antecâmara dois Tralthanos, um Indiano e um QLCL com fatos de pressão, assim corno os habituais Monitores. O Indiano explicou que uma nave Tralthanos fora quase despedaçada por matraqueadores inimigos mas que muitos dos seus tripulantes tinham sobrevivido. Os raios tractores montados no próprio Geral do Sector tinham trazida a nave danificada até à escotilha e…
O Nidiano começou! a berrar para ele.
— Pare com isso! — gritou Conway, irritado.
O Indiano mostrou-se estupefacto e voltou a berrar. Poucos segundos depois os enfermeiros Tralthanos chegaram e começaram a ensurdecê-lo com os seus roncos de sereia, enquanto o QLCL lhe assobiava através do rádio do fato. Os Monitores, ocupados em transportar os feridos através do tubo de abordagem, limitavam-se a olhar, estupefactos. Subitamente Conway começou a suar.
Tinham sido atingidos de novo, mas como as grelhas não estavam a funcionar e ele flutuava, sem se encontrar agarrado a qualquer ponto de apoio, não sentira o impacte. No entanto sabia o que acontecera. Mexeu no seu Tradutor, deu-lhe uma pancada com os nós dos dedos — um gesto inteiramente fútil — e impeliu o corpo com os pés na direcção do intercomunicador.
Em todos os circuitos que ele tentou usar havia coisas que uivavam;, trombeteavam e soltavam gritos guturais, uma cacofonia louca que fez ranger os dentes a Conway. Passou-lhe pelo espírito uma imagem da sala de operações de onde acabara de sair, com a Murchison, o Tralthano e o doutor Kelgiano a operarem o ferido sem que qualquer deles soubesse o que os outros diziam. Instruções, ordens vitais, pedidos de instrumentos informações sobre o estado do paciente — tudo se tornaria numa estranha e incompreensível algaraviada. Viu essa imagem repetida por todo o Hospital. Só os seres da mesma espécie se podiam entender uns aos outros e mesmo isso nem sempre era verdade. Havia humano-terrestres que não falavam Universal — que falavam linguagens nativas de cartas regiões nos seus planetas natais e que dependiam dos Tradutores, mesmo quando falavam com outros humano-terrestres…
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No meio de todo aquele barulho Conway conseguiu ouvir com dificuldade palavras isoladas e uma voz que ele podia compreender. Imediatamente, os seus ouvidos pareceram eliminar os ruídos parasitas e ouvir apenas a voz que dizia: — Três mísseis em fila, senhor. Abriram caminho até ao interior. Não podemos improvisar um Tradutor nem há nada com que o fazer. O último míssil explodiu exactamente no interior da sala do computador…
Fora do nicho do intercomunicador, os enfermeiros extraterrestres assobiavam, rosnavam e gemiam para ele e uns para os outros. Tinha de dai instruções para o exame prévio dos; feridos, de tratar da sua acomodação nas enfermarias e de verificar se a sala de operações FGLI estava pronta. Mas não podia fazer nada disso porque o seu pessoal de enfermagem não compreendia uma palavra do que ele dizia.