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ATRAVÉS da parede transparente da SUA galeria DE observação, a Recepção mostrava uma sala enorme, sombria, contendo três grandes mesas de comando, uma das quais estava ocupada. A criatura sentada junto dela era outro Nidiano, um pequeno humanóide com mãos de sete dedos e a pele coberta de pêlo espesso, encaracolado e vermelho. Luzes indicadoras na mesa mostravam que se acabara de estabelecer contacto com uma nave que se aproximava do hospital.
Conway disse: — Escutem…
— Identifique-se, por favor — disse o ursinho vermelho numa voz crepitante e sonora — que foi transformada pelo Tradutor de Conway num inglês átono e que chegou aos outros num kelgiano, illensano ou outro falar igualmente átono. — Paciente, visitante ou pessoal — e espécie?
— Piloto, com um paciente/passageiro a bordo» — foi a resposta. — Ambos humanos.
Houve urna curta pausa e depois ouviu-se: — Por favor transmita a sua classificação fisiológica ou faça um contacto de visão total! — Disse o Nidiano com um piscar de ditos muito humano para os observadores na galeria. — Todas as espécies inteligentes dizem que as suas espécies são humanas e pensam que as outras não o são. O que cada um chama a si próprio não tem significado no que diz [respeito aos preparativos de acomodações para o doente…
Conway desligou o altifalante que reproduzia a conversa entre a nave e o recepcionista e disse: — Ê uma boa ocasião para vos! Explicar o nosso sistema de classificação fisiológica. De uma maneira breve, pois que terão aulas especiais sobre o assunto.
Pigarreando, começou a dizer: — No nosso sistema de classificação de quatro letras, a primeira determina o nível de evolução física, a segunda denota o tipo e distribuição dos membros e os outros dois a combinação das necessidades do metabolismo, da pressão e da gravidade, o que por sua vez dá uma indicação da massa física e da forma do tegumento protector possuído pela criatura. Devo observar que, no caso de algum de vocês se sentir inferiorizada pela sua classificação, que o nível de evolução física não tem relação com o nível de inteligência…
«As espécies com o prefixo A, B e C são respiradoras de água. Na maior parte dos munidos a vida originou-se no mar e esses seres desenvolveram uma aflita inteligência sem terem de sair dele. De D até F têm-se respiradores de oxigénio, de sangue quente, e é nesse grupo que se inclui a maior parte das espécies inteligentes da Galáxia, enquanto os tipos G e K são também respira/dores de oxigénio, mas semelhantes a insectos. OS L e M são criaturas de gravidade ligeira, e têm asas.
«As formas de vida que respiram cloro estão contidas nos grupos O e P, e depois delas vêm os tipos mais evoluídos fisicamente e os mais estranhos; devoradores de radiação, criaturas de sangue frígido ou cristalinas, e entidades capazes de modificar à vontade a sua estrutura física. Aqueles que possuem poderes extra-sensoriais suficientemente bem desenvolvidos para tomar os apêndices ambulatórios ou manipuladores desnecessários recebem o prefixo V, qualquer que seja o seu tamanho ou forma.»
Conway admitiu que havia anomalias no sistema, mas eram devidas à falta de Imaginação dos seus autores. Uma das espécies presentes na galeria era um caso a apontar — o tipo AACP comi o seu metabolismo vegetal. Normalmente o prefixo A indicava Um respirador de água, uma vez que nada havia mais baixo no sistema que as formas de vida piscatórias. Mas os AACP eram vegetais e as plantas tinham surgido primeiro que os peixes.
— … Damos grande importância a uma rápida e precisa classificação dos doentes que entram, pois que muitas vezes eles não estão em condições de a fornecerem por si próprios? — Prosseguiu Conway. — O ideal é chegar-se a um estado de eficiência que nos leve a estabelecer uma classificação depois de orarmos três segundos para um pé de extraterrestre, ou para uma secção do tegumento.
«Mas olhem para aqui» — disse ele, apontando.
No painel de comando havia três visores iluminados e indicadores adjacentes adicionavam pormenores às informações contidas nas imagens. A primeira mostrava o interior da Escotilha Três, que continha dois serventes humanos terrestres e um grande transportador de macas. As ordenanças usavam fatos de serviço pesado e cintos anti-gravidade, o que não surpreendeu Conway porque a Escotilha Três e os pisos anexos eram mantidos a 5G com uma pressão correspondente. Outro visor mostrava o exterior da escotilha com os seus mecanismos automáticos de transferência e a nave prestes a estabelecer contacto, enquanto a terceira imagem era transmitida de dentro da nave e mostrava o paciente.
Conway disse: — Podem ver que é uma forma de vida grande, atarracada, possuindo seis apêndices que lhe servem simultaneamente de braços e pernas. A pele é espessa, multo dura e toda corroída, e está incrustada em alguns lugares coto uma substância seca acastanhada, que por vezes cai em flocos quando o paciente se move. Dêem particular atenção a essa substância castanha e a características que parecem faltar no corpo. Os indicadores mostram um metabolismo de sangue quente, respirador de oxigénio, adaptado a uma gravidade de 4 G. Quem quer classificá-lo?
Houve um longo silêncio e depois o AMSL Creppeliano mexeu um tentáculo e disse: — FROL, senhor.
— Muito perto — disse Conway — No entanto, acontece que eu sei que a atmosfera desta criatura é uma espécie de sopa densa e quase opaca, e a sua semelhança com uma sopa é aumentada pelo facto de as suas camadas inferiores estarem cheias de pequenos organismos aéreos, dos quais a (criatura se alimenta. Você ignorou o facto de que ele não temi boca para comer e absorve a comida directamente pelos buraquinhos que dão à pele uma aparência de corrosão. No entanto, quando viaja no espaço, a comida tem de ser pulverizada por cima dele, donde essas incrustações acastanhadas.
— FROB — disse imediatamente o Creppeliano.
— Correcto.
Conway perguntou a si próprio se aquele AMSL era um pouco mais esperto que os outros ou apenas um pouco menos acanhado. Prometeu a si próprio tomar atenção naquele grupo de alunos. Precisava de um assistente esperto nas suas enfermarias.
Despedindo-se com um aceno do peludo recepcionista, Conway reuniu o seu rebanho a sua volta e dirigiu-se com ele para a enfermaria FGLI, cinco pisos abaixo. Depois disso foram a outras enfermarias até que Conway resolveu apresentar-lhes o complexo e avançado departamento do Hospital sem o trabalho constante e eficiente do qual o tremendo estabelecimento que era o Geral do Sector não poderia funcionar, e a multidão dos seus pacientes e do seu pessoal não poderia viver.
Conway estava a sentir-se esfomeado e era o momento de lhes mostrar onde todos comiam.
Os AACP não comiam da maneira normal mas montavam-se durante o período de sono em terra especialmente preparada e absorviam os alimentos dessa maneira. Depois de os ter acomodado, depositou o PVSJ nas profundezas escuras e ruidosas da sala onde os respiradores de cloro comiam, e ficou com os dois DBLF e o AMSL.
O refeitório maior, o que era destinado aos respiradores de oxigénio, estava próximo. Conway colocou os dois Kelgianos junto de um grupo da sua espécie e depois, com um olhar esfomeado para a sala dos Superiores, correu de novo para cuidar do Creppelliano.
Para alcançar a secção que tratava dos respiradores de água era necessário um passeio de quinze minutos através de alguns dos corredores com mais denso tráfego. Criaturas de todas as formas e tamanhos batiam asas ou barbatanas, ondulavam e por vezes caminhavam junto deles. Conway habituara-se a ser afastado pelos elefantinos Tralthanos e a ter de se desviar cuidadosamente dos (pequenos e frágeis LSVO, más o Creppeliano era como um polvo couraçado a pisar ovos — havia ocasiões em que o AMSL parecia ter medo de se mover. Os sons borbulhantes do seu escafandro tinham aumentado nitidamente, também.
Conway tentou acalmá-lo começando a falar das suas anteriores experiências hospitalares, mas sem muito sucesso. Depois, subitamente, dobraram uma esquina e Conway viu o seu velho amigo Prilicla a sair de uma enfermaria lateral…
O AMSL começou a gritar e as suas oito pernas fizeram subitamente marcha-atrás. Uma delas bateu violentamente nas das pernas de Conway e fê-lo cair violentamente. O octópode fugiu pelo corredor fora, sempre a gritar.
— Que demónio! — Disse Conway, e foi muito pouco em relação ao que pensara.
— A culpa foi inteiramente minha. Assustei-o — Disse Prilicla enquanto se punha rapidamente de pé. — Aleijou-se, Doutor?
— Assustou-o?
A suave criatura de Cinruss, semelhante a um aranhiço, apresentou desculpas. — Sim, receio isso. A combinação da surpresa e do que parece ser uma neurose xenofóbica causou uma reacção de pânico. Ficou muito assustado mas não perdeu inteiramente o domínio de si próprio. Sofreu alguma coisa, Doutor?
— Só a minha dignidade — «resmungou Conway, pondo-se de pé para correr atrás do Creppeliano, que já não se via e quase não se ouvia.
A corrida na esteira do AMSL tornou-se num rápido ziguezague que era meio corrida e meio valsa. Aos seus superiores ele gritava: — Desculpe! — e aos iguais e inferiores berrava: — Arreda! — Aproximou-se bem depressa do AMSL, provando mais uma vez que dois pés são muito melhores que oito, e estava quase a apanhá-lo quando a criatura se meteu numa arrecadação de roupa. Conway parou, a escorregar, junto à porta ainda aberta, entrou e fechou-a firmemente atrás de si.
Tão calmamente quanto a falta de fôlego lhe permitia, disse: — Porque foi que fugiu?
As palavras explodiram subitamente do AMSL. o Tradutor filtrou todos os tons emocionais mas pela simples rapidez da fala era evidente que o Creppeliano estava a ter o equivalente a um ataque de histeria, e ao escutá-lo compreendeu que a leitura emocional feita por Prilicla fora correcta. Era uma neurose xenofóbica e não havia engano possível.
O’Mara dará cabo de ti se não tiveres cuidado contigo, pensou ele, amargamente.
Dadas mesmo as mais altas qualidades de tolerância e respeito mútuo, havia ainda ocasiões em que ocorriam atritos inter-espécies no Hospital. Situações potencialmente perigosas nasciam da ignorância ou da incompreensão, e uma criatura podia tornar-se xenofóbica até um ponto que afectava a sua eficiência profissional, a estabilidade mental ou ambas as coisas. Um médico terrestre que tivesse horror às aranhas não podia cuidar devidamente de um paciente Cinrusskino. E se um dos Cinrussíknos, como Prilicla, fosse tratar um doente terrestre com esse complexo…
Era da competência de O’Mara, como Psicólogo-Chefe, detectar e erradicar esses males — ou, se tudo o mais falhasse, retirar os indivíduos potencialmente perigosos — antes que esse atrito resultasse num conflito aberto. Conway não sabia como O’Mara reagiria perante um enorme AMSL que fugia em pânico perante uma criatura frágil como o Dr. Prilicla.
Quando os nervos do Creppeliano começaram a acalmar-se, Conway ergueu a mão para lhe chamar a atenção e disse: — Compreendo agora que o Dr. Prilicla se assemelha fisicamente a uma espécie predadora, pequena e anfíbia, nativa do seu planeta, e que na sua juventude assistiu a um episodio extremamente assustador com um desses animais. Mas o Dr. Prilicla não é um animal e a semelhança é puramente visual. Ele está longe de ser uma ameaça, mas você poderia tê-lo morto se o tocasse sem cuidado.
Conway terminou num tom sério: — Sabendo disso, seria capaz de fugir outra vez se encontrasse de novo essa criatura?
— Não sei! — Confessou o AMSL. — Talvez…
Conway suspirou. Não pôde deixar de recordar as suas primeiras semanas no Geral do Sector e as horríveis criaturas de pesadelo que afligiam o seu sono. O que tornava as criaturas particularmente horrorosas fora o facto de não serem frutos dia sua imaginação, mas realidades físicas que em muitos casos estavam apenas a algumas anteparas de distância.
Ele nunca fugira desses pesadelos que mais tarde se tinham tornado nos seus professores, colegas e eventualmente, amigos. Mas, para ser honesto consigo próprio, isso não fora devido tanto à resistência intestinal como ao facto de o extremo medo provocar em Conway uma tendência paralisante, em vez de o fazer fugir.
— Creio que necessita de assistência psiquiátrica, Doutor — Disse ele suavemente ao Creppeliano. — O psicólogo-chefe do Hospital ajudá-lo-á. Mas aconselho-o a não o consultar imediatamente. Passe uma semana ou mais um pouco a adaptar-se ã situação antes de ir falar com ele. Verificará que ele ficará muito mais satisfeito consigo por ter feito isso…
Silenciosamente, acrescentou:… E é menos provável que a mande embora, por ser incapaz de servir num hospital multiambiental.
O Creppeliano deixou a arrecadação sem necessidade de muita persuasão, depois de Conway lhe dizer que PrilliCla era o único GLNO que de momento havia no Hospital, e que não era provável que os seus caminhos se cruzassem duas vezes no mesmo dia. Dez minutos depois o AMSL estava no seu tanque de jantar e Conway corria para o seu próprio jantar pelo caminho mais curto.