39074.fb2 Margarita e o Mestre - читать онлайн бесплатно полную версию книги . Страница 10

Margarita e o Mestre - читать онлайн бесплатно полную версию книги . Страница 10

Duelo entre o professor e o poeta

No preciso momento em que Stiopa perdia os sentidos em Ialta, ou seja, por volta das onze e meia da manhã, recuperava-os Ivan Nikolaevitch Bezdomni, despertando de um profundo e longo sono. Durante alguns momentos tentou compreender como fora parar àquele quarto estranho de paredes brancas, com uma esquisita mesa-de-cabeceira feita de um qualquer metal leve e com uma cortina branca atrás da qual se sentia o sol.

Ivan abanou a cabeça, descobriu que ela não lhe doía, e lembrou-se de que estava numa clínica. Este pensamento trouxe consigo a recordação da morte de Berlioz, mas agora isso não lhe causou nenhum choque violento. Tendo dormido bem, Ivan Nikolaevitch ficou mais calmo e começou a raciocinar mais claramente. Mantendo-se por algum tempo imóvel na cama de molas, limpa, macia e confortável, viu a seu lado o botão da campainha. Habituado a mexer nas coisas sem necessidade, Ivan premiu o botão. Esperava ouvir algum toque ou ver aparecer alguém, mas aconteceu uma coisa completamente diferente. Aos pés da cama de Ivan acendeu-se um cilindro opaco, no qual havia a palavra “Beber”. Depois de ficar parado por alguns momentos, o cilindro começou a girar até aparecer a inscrição: “Enfermeira”. Como se compreende, Ivan ficou impressionado com o engenhoso cilindro. A inscrição “Enfermeira” foi substituída pela frase “Chamar o médico”.

— Hum… — murmurou Ivan, sem saber o que fazer em seguida com aquele cilindro. Mas teve sorte. Ivan premiu de novo o botão à palavra “Enfermeira”. Em resposta, o cilindro retiniu ligeiramente, parou, apagou-se e no quarto entrou uma mulher simpática e roliça de bata branca, muito limpa, que disse a Ivan:

— Bom dia!

Ivan não respondeu, considerando aquela saudação deslocada naquelas circunstâncias. Francamente, fecharem um homem são numa clínica, e ainda pretendiam que isso estava certo!

Entretanto, a mulher, sem perder a expressão de benevolência, levantou a persiana carregando no botão, e o sol jorrou no quarto através do gradeamento largo e leve que chegava até ao chão. Atrás da grade havia uma varanda, para lá dela a margem de um rio sinuoso e, na margem oposta, um alegre pinhal.

— Faça favor de ir tomar o seu banho — convidou a mulher, e sob as suas mãos a parede interior deslizou, revelando uma casa de banho muito bem equipada.

Ivan, embora decidido a não falar com a mulher, não se conteve e, ao ver como a água jorrava para a banheira num largo jacto de uma torneira reluzente, disse com ironia:

— Vejam só! É como no Metrópole!

— Oh, não — respondeu orgulhosamente a mulher. — Muito melhor. Equipamento como este não se encontra em parte nenhuma, nem mesmo no estrangeiro. Os médicos e os cientistas vêm de propósito visitar a nossa clínica. Todos os dias nos visitam turistas estrangeiros.

As palavras “turistas estrangeiros” recordaram a Ivan o consultor do dia anterior. O seu rosto ensombrou-se, ele olhou de revés e disse:

— Turistas estrangeiros… Como vocês todos adoram os turistas estrangeiros! E afinal entre eles há-os de várias espécies. Eu, por exemplo, conheci ontem um que até dá gosto!

E por pouco não começou a falar de Pôncio Pilatos, mas conteve-se, compreendendo que a mulher não estaria interessada em tais histórias e que de qualquer modo ela não poderia ajudá-lo.

Ivan. Nikolaevitch, banhado de fresco, recebeu imediatamente tudo aquilo de que um homem precisa depois do banho: uma camisa passada a ferro, ceroulas, meias. Mas mais do que isso: abrindo a porta de um armário, a mulher apontou para o interior e perguntou:

— Que deseja vestir, roupão ou pijama? Preso pela força à sua nova habitação, por pouco não ergueu os braços de assombro com a desenvoltura da mulher. Em silêncio, apontou com o dedo para o pijama de flanela carmesim.

Depois Ivan Nikolaevitch foi conduzido, pelo corredor deserto e silencioso, até um gabinete de enormes proporções. Decidido a manter uma atitude de ironia em relação a tudo quanto visse naquele edifício maravilhosamente equipado, baptizou de imediato o gabinete de “cozinha-fábrica”.

E havia razão para isso. Erguiam-se ali estantes e armariozinhos de vidro com reluzentes instrumentos niquelados. Havia poltronas de construção extremamente complicada, candeeiros bojudos com quebra-luzes brilhantes, uma multiplicidade de frascos, bicos de gás, fios eléctricos, e aparelhos totalmente desconhecidos.

No gabinete, três pessoas — duas mulheres e um homem, todos de branco — ocuparam-se de Ivan. Em primeiro lugar, conduziram-no a uma mesa, a um canto, com o objectivo evidente de o interrogar. Ivan pôs-se a avaliar a situação. Tinha três caminhos à sua frente. O primeiro era extremamente tentador: lançar-se contra aqueles candeeiros e todas aquelas coisas complicadas, fazer tudo em fanicos e expressar assim o seu protesto por ter sido detido sem motivo. Mas o Ivan de hoje era já bastante diferente do Ivan de ontem, e o primeiro caminho pareceu-lhe duvidoso: eram capazes de se convencerem que ele era um louco furioso. Por isso rejeitou esse primeiro caminho. Havia o segundo: começar imediatamente a contar a história do consultor e de Pôncio Pilatos. Mas a experiência do dia anterior mostrava que as pessoas não acreditavam nessa história ou a compreendiam de um modo deturpado. Por isso, Ivan rejeitou também esse caminho, decidindo escolher o terceiro: fechar-se num mutismo orgulhoso.

Não conseguiu concretizar inteiramente essa decisão e, de bom ou mau grado, teve que responder, embora com parcimónia e de má caradura, a uma série de perguntas.

E Ivan foi interrogado sobre toda a sua vida passada, incluindo quando e como tivera escarlatina, quinze anos antes. Depois de encherem uma página com informações sobre Ivan, viraram-na e a mulher de branco passou a interrogá-lo sobre os parentes. Iniciou-se uma verdadeira lengalenga: quem morrera, quando e de quê, se bebia, se sofria de doenças venéreas, e coisas no mesmo estilo. A terminar, pediram-lhe que contasse os acontecimentos do dia anterior no lago do Patriarca, mas não o chatearam muito nem se surpreenderam com a história sobre Pôncio Pilatos.

Então, a mulher cedeu Ivan ao homem, que se ocupou dele de um modo completamente diferente e sem fazer quaisquer perguntas. Mediu-lhe a temperatura, contou-lhe as pulsações, observou-lhe os olhos, iluminando-os com uma lanterna. Depois a outra mulher veio ajudar o homem e os dois espetaram qualquer coisa nas costas de Ivan, mas sem o magoarem, traçaram-lhe sinais no peito com o cabo de um martelo, bateram-lhe com martelos nos joelhos, o que fez com que as suas pernas saltassem, picaram-lhe um dedo e tiraram-lhe sangue, espetaram-lhe uma agulha na curva do braço, meteram-lhe nos braços umas braçadeiras de borracha.

Ivan limitava-se a sorrir amargamente para si mesmo, pensando em como tudo aquilo se tornara estúpido e estranho. Imagine-se! Queria prevenir toda a gente do perigo representado pelo consultor desconhecido, preparava-se para capturá-lo, e tudo o que conseguiu foi ser metido num gabinete misterioso para contar toda a espécie de disparates acerca do tio Fiodor, que se entregava à bebedeira em Vologda. Que intolerável estupidez!

Por fim dispensaram Ivan, que foi reconduzido ao seu quarto, onde lhe deram uma chávena de café, dois ovos quentes e pão branco com manteiga.

Depois de comer e beber tudo o que lhe serviram, decidiu esperar por algum chefe daquela instituição e conseguir que esse chefe lhe prestasse atenção e lhe fizesse justiça.

E esse chefe apareceu pouco depois do pequeno-almoço. A porta do quarto de Ivan. abriu-se de súbito, dando entrada a um grupo de pessoas de bata branca. À frente vinha um homem dos seus quarenta e cinco anos, cuidadosamente barbeado como um actor, de olhos simpáticos mas muito penetrantes, e modos corteses. Todo o séquito lhe dispensava provas de atenção e respeito, e isso dava à sua entrada uma grande solenidade. “Como Pôncio Pilatos!”, pensou Ivan.

Sim, aquele era sem dúvida o chefe. Sentou-se num banco e todos os outros ficaram de pé.

— Doutor Stravinski — apresentou-se o homem que acabava de se sentar, olhando Ivan amistosamente.

— Aqui está, Alexandre Nikolaevitch — disse em voz baixa um homem de barbicha bem aparada, estendendo ao chefe a folha de papel escrita dos dois lados sobre Ivan.

“Arranjaram um processo completo!”, pensou Ivan. E o chefe percorreu a folha de papel com olhar profissional, murmurou “Hum, hum… “ e trocou com os outros algumas frases numa língua pouco conhecida. “E também fala latim, como Pilatos… “, pensou Ivan com tristeza. Então, uma palavra fê-lo sobressaltar-se, e essa palavra foi esquizofrenia, já proferida no dia anterior, infelizmente, pelo maldito estrangeiro no lago do Patriarca, e agora repetida pelo professor Stravinski. “Até isto ele sabia!”, pensou Ivan, ansioso.

Pelos vistos, o chefe tinha como regra concordar e regozijar-se com tudo aquilo que lhe diziam os que o rodeavam, e expressá-lo com as palavras “óptimo, óptimo… “.

— Óptimo! — disse Stravinski, devolvendo a folha de papel e dirigindo-se a Ivan: — O senhor é poeta?

— Sou — respondeu lugubremente Ivan, e de súbito sentiu, pela primeira vez, uma inexplicável aversão pela poesia. Os seus próprios versos, que então recordava, pareciam-lhe, por qualquer razão, desagradáveis.

Franzindo o rosto, perguntou por sua vez a Stravinski:

— O senhor é professor? Ao que Stravinski assentiu, inclinando cortesmente a cabeça.

— E é o chefe disto? — continuou Ivan. E também desta vez Stravinski assentiu.

— Preciso de falar consigo — disse Ivan Nikolaevitch com ar significativo.

— Foi para isso que aqui vim — respondeu Stravinski.

— O problema é este — começou Ivan, sentindo que chegara a sua hora. — Tacharam-me de louco e ninguém me quer ouvir!…

— Oh, não, ouvi-lo-emos com multa atenção — disse Stravinski, sério e tranquilizador. — E em caso nenhum permitiremos que o tratem como um louco.

— Pois então ouça: ontem à tarde, no lago do Patriarca, encontrei um indivíduo misterioso, estrangeiro ou talvez não, que sabia antecipadamente da morte de Berlioz e que vira Pôncio Pilatos.

Imóvel e em silêncio, o grupo escutava o poeta.

— Pilatos? O Pilatos, aquele que viveu no tempo de Jesus Cristo? — perguntou Stravinski semicerrando os olhos.

— Esse mesmo.

— Ah! ah! — exclamou Stravinski. — E esse Berlioz morreu debaixo de um eléctrico?

— Pois precisamente ontem à tarde ele foi degolado por um eléctrico à minha frente, no Patriarca, e esse tal cidadão misterioso…

— O conhecido de Pôncio Pilatos? — perguntou Stravinski, que era um homem muito compreensivo.

— Ele mesmo — confirmou Ivan, estudando Stravinski. Pois ele disse antecipadamente que Annuchka derramara óleo de girassol… E ele escorregou precisamente nesse lugar! Que acha disto? — inquiriu Ivan, esperando produzir um grande efeito com as suas palavras.

Mas esse efeito não se verificou, e Stravinski fez-lhe apenas a seguinte pergunta:

— E quem é essa Annuchka? Esta pergunta perturbou um pouco Ivan, cujo rosto se contraiu.

— A Annuchka é aqui irrelevante — disse ele enervando-se. Só o Diabo sabe quem é ela. Uma estúpida qualquer da Sadovaia. O que é importante, percebe, é que ele sabia antecipadamente do óleo de girassol! Está a compreender?

— Compreendo muito bem — respondeu Stravinski bastante sério e, tocando no joelho do poeta, acrescentou: — Não se inquiete. Continue.

— Continuo — disse Ivan, tentando imitar o tom de Stravinski e sabendo já pela amarga experiência que só a calma o poderia ajudar. — Pois esse tipo horrível, e ele mente quando diz que é consultor, possui uma qualquer força extraordinária… Por exemplo, perseguimo-lo, mas apanhá-lo é impossível. E com ele anda ainda uma parelha, também jeitosa, no seu género: um sujeito alto de óculos partidos e um gato de um tamanho incrível, que viaja sozinho de eléctrico. Além disso — Ivan, sem que ninguém o interrompesse, falava cada vez com maior calor e persuasão —, ele esteve pessoalmente no balcão de Pôncio Pilatos, e disso não resta qualquer dúvida. Mas que vem a ser isto? Hem? É preciso prendê-lo imediatamente, se não ele causará incontáveis desgraças.

— Portanto, o senhor está a tentar que o prendam? Percebi bem? — perguntou Stravinski.

“Ele é inteligente”, pensou Ivan. “Devo reconhecer que entre os intelectuais também se encontram por vezes homens de rara inteligência. Isso é inegável!”

— Percebeu muito bem! — respondeu Ivan. — E como não havia de tentar? Ora pense o senhor! E entretanto detiveram-me aqui pela força, enfiam-me lanternas nos olhos, dão-me banho, interrogam-me sobre o tio Fiodor!… Ele que já não é deste mundo há tanto tempo! Exijo que me libertem imediatamente.

— Pois bem, óptimo, óptimo! — respondeu Stravinski. Está tudo esclarecido. Na realidade, que sentido faz manter na clínica um homem são? Muito bem. Dou-lhe alta de imediato se me disser que é um homem normal. Não me prove, diga-me simplesmente. Pois bem, o senhor é normal?

Fez-se um silêncio absoluto e a mulher gorda que de manhã se ocupara de Ivan olhou o professor com veneração. E Ivan pensou de novo: “Verdadeiramente inteligente”.

Agradou-lhe muito a proposta do professor, mas antes de responder pensou e repensou, franzindo a testa, e, por fim, disse com firmeza:

— Sou normal.

— Pois bem, óptimo! — exclamou Stravinski com alívio. — E se assim é, vamos lá raciocinar logicamente. Consideremos o seu dia de ontem — aqui, voltou-se e de imediato entregaram-lhe a folha de papel de Ivan. — À procura de um desconhecido que se lhe apresentou como sendo das relações de Pôncio Pilatos, o senhor praticou ontem os seguintes actos — Stravinski começou a dobrar os seus longos dedos, olhando, ora para a folha, ora para Ivan. — Pendurou um ícone ao peito. Foi?

— Foi — concordou Ivan sombriamente.

— Saltou uma vedação e feriu-se na cara. Verdade? Apareceu no restaurante com uma vela acesa na mão, em roupa interior, e agrediu alguém. Foi trazido para aqui manietado. Depois de aqui estar, telefonou para a milícia e pediu que enviassem metralhadoras. A seguir fez uma tentativa de saltar pela janela. Verdade? Pergunta-se se será possível, actuando deste modo, agarrar ou prender alguém? E se o senhor é um homem normal, responderá que não. Deseja sair daqui? Muito bem. Mas permita que lhe pergunte para onde irá quando sair daqui?

— Para a milícia, naturalmente — respondeu Ivan já sem a mesma firmeza e perturbando-se um pouco com o olhar do professor.

— Directamente daqui?

— Hum… hum.

— E não passa primeiro pela sua casa? — perguntou Stravinski rapidamente.

— Mas se não há tempo a perder! Enquanto eu fosse a casa, ele escapava-se!

— Bem. E que é que vai dizer à milícia, antes de mais nada?

— Falo-lhes de Pôncio Pilatos — respondeu Ivan Nikolaevitch, e os seus olhos turvaram-se.

— Pois bem, óptimo! — exclamou Stravinski rendido e, dirigindo-se ao homem da barbicha, ordenou: — Fiodor Vassilievitch, faça favor de dar alta ao cidadão Bezdomni. Mas não ocupem o quarto, nem mudem a roupa da cama. Dentro de duas horas o cidadão Bezdomni estará aqui de novo. Pois bem — dirigiu-se ele ao poeta —, não lhe desejo êxito, porque não acredito nada no seu êxito. Até breve! — Pôs-se de pé, e a sua comitiva agitou-se.

— E por que razão hei-de vir outra vez para aqui? — perguntou Ivan, inquieto.

Stravinski, que parecia esperar esta pergunta, voltou a sentar-se e respondeu:

— Pela simples razão de que assim que aparecer de ceroulas na milícia e declarar que se encontrou com um homem que conheceu pessoalmente Pôncio Pilatos, o trarão de imediato para aqui, e ficará de novo neste quarto.

— E o que têm as ceroulas a ver com o caso? — perguntou Ivan, olhando em volta, confuso.

— Principalmente Pôncio Pilatos. Mas também as ceroulas. Pois nós temos que guardar as roupas da clínica e devolver-lhe as suas. E o senhor chegou aqui em ceroulas. E, no entanto, não parecia de modo nenhum disposto a passar por sua casa, embora eu lho tenha sugerido. Depois vem Pilatos… e está tudo dito!

Então, qualquer coisa estranha aconteceu a Ivan Nikolaevitch. A sua vontade como que se quebrou, e ele sentiu-se fraco, necessitado de conselho.

— Que devo então fazer? — perguntou, agora já timidamente.

— Ora excelente! — respondeu Stravinski. — Essa é uma pergunta razoável. Agora vou-lhe dizer exactamente o que se passou consigo. Ontem, alguém o perturbou e o assustou com a história de Pôncio Pilatos e coisas que tais. E o senhor, enervado, mortificado, andou pela cidade falando de Pôncio Pilatos. É muito natural que o tomem por louco. Só tem agora uma solução: o completo repouso. E tem necessariamente que ficar aqui.

— Mas é preciso apanhá-lo! — exclamou Ivan, já suplicante.

— Muito bem, mas porque há-de andar o senhor a correr atrás dele? Escreva numa folha de papel todas as suas suspeitas e acusações contra esse homem. Nada mais simples do que enviar as suas declarações para onde deve ser, e se, como supõe, estamos perante um criminoso, tudo isso se esclarecerá muito em breve. Mas só uma condição: não esforce a cabeça e procure pensar menos em Pôncio Pilatos. Sabe-se lá as histórias que nos podem contar! Não se pode acreditar em tudo.

— Compreendo! — declarou Ivan resolutamente.

— Dê-lhe papel e um lápis pequeno — ordenou Stravinski à mulher gorda, e voltando-se para Ivan: — Mas aconselho-o, a não escrever hoje.

— Não, não, hoje mesmo, sem falta! — exclamou Ivan, alarmado.

— Muito bem. Mas não esforce o cérebro. Se não conseguir hoje, consegue amanhã.

— Ele escapa-se!

— Oh, não — replicou Stravinski com segurança. — Ele não se escapa, garanto-lhe. E lembre-se de que aqui o ajudaremos de todos os modos, e que sem isso não conseguirá nada. Está a ouvir-me? — perguntou de súbito Stravinski significativamente e agarrou as duas mãos de Ivan Nikolaevitch. Segurando-as nas suas, olhou fixamente os olhos de Ivan durante muito tempo, repetindo: — Aqui ajudamo-lo… aqui ajudamo-lo… aqui ajudamo-lo… está a ouvir-me? Aqui ajudamo-lo… aqui ajudamo-lo… Aqui encontrará alívio. Aqui silêncio, tudo está tranquilo… Aqui ajudamo-lo…

Ivan Nikolaevitch começou de súbito a bocejar, a expressão do seu rosto suavizou-se.

— Sim, sim — disse ele suavemente.

— Óptimo! — Stravinski terminou a conversa do modo que lhe era habitual e levantou-se. — Adeus! — Apertou a mão de Ivan e, já a sair, voltou-se para o homem da barbicha e disse: Sim, e experimentem o oxigénio… e os banhos.

Momentos depois diante de Ivan não havia nem Stravinski nem comitiva. Para lá da grade da janela, ao sol do meio-dia, resplandecia o alegre bosque primaveril na outra margem, e, mais perto, o rio cintilava.