39074.fb2 Margarita e o Mestre - читать онлайн бесплатно полную версию книги . Страница 16

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Viva o galo!

Os nervos de Rimski não aguentaram, como se costuma dizer, não esperou que o auto estivesse concluído e correu para o seu gabinete. Sentou-se à secretária e olhou com os olhos inflamados as notas mágicas de dez rublos que tinha à sua frente. O director financeiro estava como louco. De lá de fora chegava-lhe um rumor surdo e uniforme. O público saía em torrentes do edifício do Variedades. O ouvido extremamente apurado do director financeiro captou de súbito e com toda a nitidez o apito da milícia. Este som por si mesmo não augurava já nada de agradável. E quando o som se repetiu e se lhe juntou um outro, ainda mais imperioso e prolongado, a que se acrescentou uma explosão de gargalhadas e até uma espécie de apupos, o director financeiro compreendeu de imediato que mais qualquer coisa de escandaloso e indecente se passava na rua. E que, por mais que ele quisesse evitá-lo, estava estritamente relacionado com a repugnante sessão realizada pelo mágico e pelos seus assistentes. O arguto director financeiro não se enganava.

Mal olhou pela janela que dava para a Sadovaia, o seu rosto contraiu-se e ele sibilou, mais do que murmurou:

— Eu já sabia! À luz dos potentes candeeiros da rua viu lá em baixo, no passeio, uma dama apenas em camisa e calcinhas de cor violeta. É certo que a dama tinha um chapéu na cabeça e uma sombrinha nas mãos.

À volta dessa dama, que se encontrava num estado de completa perturbação, ora acocorando-se ora tentando fugir, agitava-se uma multidão, produzindo aquelas gargalhadas que provocavam arrepios na espinha do director financeiro. Ao lado da dama atarefava-se um cidadão que procurava despir o seu sobretudo ligeiro, mas com a pressa não conseguia libertar a mão presa numa das mangas.

Os gritos e gargalhadas vinham também de um outro lugar precisamente da entrada da esquerda, e, voltando a cabeça nessa direcção, Grigori DanilovItch viu uma segunda dama, em roupa interior cor-de-rosa. Esta saltara da rua para o passeio, procurando esconder-se no vão de uma porta, mas o público que saía barrava-lhe o caminho e a pobre vítima da sua frivolidade e da paixão pelos atavios, enganada pela firma do vil Fagot, tinha apenas um desejo: sumir-se pela terra abaixo. Um miliciano precipitava-se para a infeliz, perfurando o ar com o som agudo do apito, e atrás do miliciano corria um grupo de rapazes divertidos, de bonés na cabeça. Eram eles que soltavam aquelas gargalhadas e vaias.

Um cocheiro magro, de bigode, aproximou-se a galope da primeira mulher despida e com um gesto brusco refreou o cavalo ossudo e derreado. O rosto do bigodudo sorria alegremente.

Rimski bateu com o punho na cabeça, cuspiu e afastou-se da janela.

Ficou sentado à secretária durante algum tempo, escurando os sons que vinham da rua. Em diferentes pontos, os apitos atingiram a intensidade máxima, e depois começaram a diminuir. O escândalo, para surpresa de Rimski, terminava com inesperada rapidez.

Chegara o momento de agir, era preciso beber a amarga taça da responsabilidade. Os telefones tinham sido reparados durante a terceira parte do espectáculo, era preciso telefonar, comunicar o ocorrido, pedir ajuda, esquivar-se, atirar tudo para cima de Likhodeev, defender-se e assim por diante. Para o Diabo tudo aquilo!

Por duas vezes o perturbado director pousou a mão no telefone e por duas vezes a retirou. De súbito, no silêncio sepulcral do gabinete, o telefone desatou a tocar mesmo na cara do director financeiro, que se sobressaltou e ficou gelado. “Tenho os nervos bastante desarranjados, pensou ele, levantando o auscultador. Mas logo o afastou e ficou branco como a cal. Uma voz de mulher, baixa mas ao mesmo tempo insinuante e lasciva, sussurrou no telefone: — Não telefones a ninguém, Rimski, ou vais-te dar mal.

E imediatamente desligaram o telefone. Sentindo um formigueiro nas costas, o director financeiro pousou o auscultador e, sem saber porquê, olhou para a janela atrás de si. Por entre os ramos do ácer, raios e ainda pouco verdejantes, avistou a Lua correndo entre uma nuvem transparente. De olhos fitos nos ramos, Rimski olhava-os e, quanto mais olhava, mais forte era o medo que o dominava.

Fazendo um grande esforço, o director financeiro voltou finalmente as costas à janela enluarada e levantou-se. Não havia já qualquer possibilidade de telefonar, e agora o director financeiro só pensava numa coisa: sair o mais depressa possível do teatro.

Escutou. O edifício do teatro estava em silêncio. Rimski compreendeu que há muito estava sozinho, em todo o primeiro andar, e esse pensamento fê-lo sentir-se dominado por um medo infantil e irresistível. Não conseguia pensar sem um estremecimento: teria agora que percorrer sozinho os corredores desertos e descer as escadas. Apanhou febrilmente de cima da mesa as notas de banco do hipnotizador, meteu-as na pasta e tossiu para se encorajar, ao menos um pouco. A tosse saiu rouca e débil.

Então pareceu-lhe que por baixo da porta do gabinete se infiltrava uma humidade bafienta. Um arrepio percorreu as costas do director financeiro. E nisto soou ainda o relógio, batendo a meia-noite. E até o bater do relógio fez estremecer o director financeiro. Mas o coração caiu-lhe definitivamente aos pés quando ouviu rodar uma chave na fechadura da porta. Agarrando a pasta com as mãos húmidas e frias, o director financeiro sentiu que se aquele ruído no buraco da fechadura durasse mais um pouco, ele não suportaria e se poria aos gritos.

Por fim, a porta cedeu aos esforços de alguém, abriu-se, e Varenukha entrou silenciosamente no gabinete. As pernas de Rimski fraquejaram e ele deixou-se cair na cadeira. Respirando fundo, esboçou um sorriso um tanto adulador e disse em voz baixa:

— Meu Deus, que susto me pregaste! Sim, aquela aparição, tão súbita, podia assustar qualquer um, e, no entanto, ela foi ao mesmo tempo causa de uma grande alegria. Revelava-se ao menos uma pontinha daquele enredo.

— Então, conta lá depressa! Então? Então? — rouquejou Rimski, aferrando-se a essa pontinha. — Que significa tudo isto?

— Desculpa, por favor — disse em voz abafada o homem que entrara, fechando a porta. — Pensei que já tinhas saído.

E Varenukha, sem tirar o boné, dirigiu-se para a cadeira e sentou-se do outro lado da mesa.

Deve dizer-se que na resposta de Varenukha se evidenciava uma leve incongruência, que imediatamente espicaçou o director financeiro, o qual, pela sua sensibilidade, podia competir com o sismógrafo de uma qualquer das melhores estações do mundo. Como assim? Para que vinha Varenukha ao gabinete do director financeiro, se supunha que ele não estava ali? Primeiro, ele tinha o seu próprio gabinete, segundo, fosse qual fosse a porta por onde Varenukha entrasse no edifício, passaria inevitavelmente pelos guardas da noite, e estes tinham sido todos informados de que Grigori Danilovitch se demoraria no seu gabinete.

Mas o director financeiro não se demorou muito tempo a pensar nessa incongruência. Tinha mais em que pensar.

— Porque não telefonaste? Que significa todo aquele disparate sobre Ialta?

— Bem… aquilo mesmo que eu disse — respondeu o administrador contorcendo os lábios como se um dente estragado o incomodasse. — Encontraram-no numa taberna em Puchkino.

— Como, em Puchkino?! Nos arredores de Moscovo? E os telegramas de Ialta?

— Qual Ialta, qual carapuça! Embebedou um telegrafista de Puchkino, e puseram-se os dois a fazer disparates, entre os quais enviar telegramas com a indicação “Ialta”.

— Ah… Ah… Bom, está bem, está bem… — disse Rimski, mais cantarolando que falando. Os seus olhos brilhavam com uma luz amarelenta. Na sua mente formava-se já o quadro festivo do despedimento ignominioso de Stiopa. A libertação! A tão esperada libertação do director financeiro daquele flagelo chamado Likhodeev! E talvez Stepan Bogdanovitch obtivesse qualquer coisa pior que a demissão… — Os pormenores! — acrescentou Rimski, batendo com o pesa-papéis na mesa.

E Varenukha começou a relatar os pormenores. Apenas chegara ao local onde fora enviado pelo director financeiro, receberam-no de imediato e escutaram-no com a maior atenção. Ninguém admitiu, naturalmente, a ideia de que Stiopa pudesse estar em Ialta. Todos concordaram com a ideia de Varemikha de que Llkhodeev estava por certo no Ialta, de Puchkino.

— Mas onde está ele agora? — interrompeu o perturbado director financeiro.

— Bom… onde havia de estar? — respondeu o administrador com um risinho falso. — Atrás das grades, a curar a bebedeira.

— Bem, bem! Obrigado!

Varenukha continuou o seu relato. E quanto mais ele contava, mais se desenrolava diante do director financeiro a longa cadeia das grosserias e poucas-vergonhas de Llkhodeev, cada novo elo dessa cadeia era pior que o anterior. O que não valeria só a dança de bêbedos, abraçado ao telegrafista, no relvado diante do telégrafo de Puchkino ao som de uma qualquer harmónica vagabunda! A perseguição de algumas cidadãs, que gritavam de terror! A tentativa de agressão ao empregado do bar no próprio Ialta! A rama de cebola espalhada no chão desse mesmo Ialta. A destruição de oito garrafas de Ai-Danil branco seco. A danificação do taxímetro a um motorista de táxi que se recusou a confiar o automóvel a Stiopá. A ameaça de prender os cidadãos que tentavam pôr cobro às patifarias de Stiopa. Em suma, um verdadeiro horror.

Stiopa era bem conhecido nos círculos teatrais de Moscovo e todos sabiam que ele não era boa prenda. Mas aquilo que o administrador contava sobre ele era em todo o caso excessivo, mesmo para Stiopa. Sim, era excessivo. Era mesmo demasiado excessivo…

Por cima da mesa, os olhos penetrantes de Rimski cravaram-se no rosto do administrador, e quanto mais este falava, mais sombrios se tornavam esses olhos. Quanto mais vivos e coloridos se tornavam os ignóbeis pormenores com que o administrador adornava o seu relato, menos o director financeiro acreditava no narrador. E quando Varenukha contou que Stiopa chegara ao ponto de resistir àqueles que foram buscá-lo para o trazer de volta a Moscovo, o director financeiro sabia já sem qualquer dúvida que tudo aquilo que lhe contava o administrador, que regressara à meia-noite, era tudo mentira! Mentira da primeira à última palavra.

Varenulcha não fora a Puchkino, e o próprio Stiopa também lá não estivera. Não houvera telegrafista bêbedo, nem vidros partidos na taberna. Stiopa não fora amarrado com cordas… Nada disso acontecera.

Assim que o director financeiro se convenceu de que o administrador lhe mentia, o medo percorreu-lhe todo o corpo, começando pelos pés, e pela segunda vez lhe pareceu que uma humidade malsã se arrastava pelo chão. Sem desviar os olhos do administrador, que se torcia na cadeira de um modo estranho, sempre tentando permanecer na sombra azul do quebra-luz do candeeiro de secretária, protegendo-se com um jornal como se a luz do candeeiro o incomodasse, o director financeiro tinha um único pensamento: que significa tudo isto? Por que razão, depois de ter regressado tão tarde, lhe mentia tão descaradamente o administrador no edifício deserto e silencioso? E um sentimento de perigo, de um perigo desconhecido mas terrível, começou a afligir a alma do director financeiro. Fingindo não ver os subterfúgios do administrador e as suas manobras com o jornal, o director financeiro examinava-lhe o rosto quase sem ouvir já os disparates de Varenukha. Havia qualquer coisa que lhe parecia ainda mais inexplicável que aquela história caluniosa, inventada sabe-se lá para quê, acerca da aventura em Puchkino, e que era a alteração no aspecto e nos modos do administrador.

Por mais que este puxasse a pala do boné para os olhos para fazer sombra sobre o rosto, por mais que revirasse as folhas de jornal, o director financeiro conseguiu-lhe lobrigar uma enorme nódoa negra na face direita, junto ao nariz. Além disso, o administrador, habitualmente pletórico, estava agora pálido, de uma palidez doentia e, naquela noite abafada, tinha por qualquer razão enrolado ao pescoço um velho cachecol às riscas, Se a isto acrescentarmos o tique repugnante, adquirido pelo administrador durante a sua ausência, de chupar os lábios e dar estalidos com a língua, a brusca mudança na sua voz, que se tornara cava e rude, a expressão fugidia e assustada dos olhos, poder-se-ia dizer, sem hesitação, que Ivan Savelievitch Varenukha estava irreconhecível.

Qualquer coisa mais inquietava pungentemente o director financeiro, mas ele não era capaz de compreender que coisa era essa, por mais que esforçasse o cérebro febril, por mais que escrutasse Varenukha. O que ele podia afirmar era que havia qualquer coisa de extraordinário, de anormal, naquela combinação do administrador com a bem conhecida poltrona.

— Mas, por fim, dominaram-no e meteram-no no carro — bramiu Varenukha, espreitando por trás do jornal e cobrindo a nódoa negra com a mão.

Rimski estendeu de súbito a mão e como que maquinalmente, com a palma, enquanto tamborilava com os dedos sobre a mesa, premiu o botão da campainha eléctrica e ficou petrificado.

No edifício deserto devia ter-se ouvido o sinal estridente. Mas isso não aconteceu e o botão afundou-se sem vida no tampo da mesa, O botão estava morto, a campainha avariada.

O estratagema do director financeiro não passou despercebido a Varenukha, que perguntou, estremecendo, enquanto nos seus olhos perpassava um brilho mau:

— Porque é que estás a tocar?

— Foi por acaso — respondeu roucamente o director financeiro, afastando a mão e perguntando por sua vez com voz trémula: — Que é que tens na cara?

— O carro derrapou, bati contra o manípulo da porta — respondeu Varenukha, desviando o olhar.

“Está a mentir!”, pensou o director financeiro. E de súbito os seus olhos arregalaram-se, loucos, e ele olhou fixamente as costas da cadeira.

No chão, atrás da cadeira, havia duas sombras cruzadas, uma mais densa e mais escura, outra débil e cinzenta. Via-se perfeitamente no soalho a sombra das costas e das pernas pontiagudas da cadeira, mas por cima das costas da poltrona não havia no chão a sombra da cabeça de Varenukha, tal como por baixo dos pés da cadeira não havia a sombra dos pés do administrador.

“Ele não tem sombra!”, gritou Rimski desesperadamente em silêncio. E foi atacado de tremuras.

Varenukha olhou, furtivo, para trás, seguindo o olhar demente de Rimski, e compreendeu que tinha sido descoberto.

Levantou-se da cadeira (o mesmo fez o director financeiro) e recuou um passo da secretária, agarrando a pasta.

— Adivinhaste, maldito! Sempre foste muito esperto — disse Varenukha, com um riso mau, mesmo na cara do director financeiro, saltando subitamente da cadeira para a porta e accionando o botão de segurança da fechadura.

O director financeiro olhou para trás, desesperado, recuando para a janela que dava para o jardim e, nessa janela, inundada pelo luar, viu o rosto de uma rapariga nua apertada contra o vidro e o braço enfiado pela bandeira, tentando abrir o ferrolho de baixo. O de cima já estava aberto.

Pareceu a Rimski que a luz do candeeiro de secretária se apagava e que a secretária se inclinava. Uma onda de frio desabou sobre ele, mas por sorte aguentou-se e não caiu. O que lhe restava das suas forças bastou para sussurrar, mas não para gritar:

— Socorro…

Varenukha, vigiando a porta, dava saltos junto dela, ficando muito tempo no ar e baloiçando. Com os dedos recurvados acenava na direcção de Rimski, sibilava e dava estalos com a língua, piscava o olho à rapariga que estava na janela.

Ela apressou-se, meteu a cabeça ruiva pela bandeira, estendeu o braço o mais que podia, começou a raspar a tranqueta inferior com as unhas e a abanar o caixilho. O braço dela começou a esticar-se, como se fosse de borracha, e cobriu-se de um verdor cadavérico. Por fim, os dedos verdes da morta alcançaram a tranqueta, giraram-na, e o caixilho começou a abrir-se. Rimski soltou um grito débil, encostou-se à parede e ergueu a pasta à sua frente, como um escudo. Compreendia que chegara o seu fim.

A janela abriu-se de par em par, mas em vez da fresquidão nocturna e do aroma das tílias, a sala foi invadida por um cheiro a cave. A morte deu um passo sobre o peitoril da janela. Rimski via-lhe as manchas de putrefacção no peito.

E, nesse momento, o súbito e alegre cantar de um galo irrompeu do jardim, do edifício baixo atrás do pavilhão de tiro, onde se guardavam as aves usadas nos programas. O galo amestrado trombeteava, anunciando que a aurora, vinda de oriente, avançava sobre Moscovo.

Uma fúria selvagem desfigurou o rosto da rapariga. Ela soltou uma praga em voz rouca, e Varenukha, junto à porta, soltou um grito e caiu pesadamente no chão.

O canto do galo repetiu-se, a rapariga bateu os dentes e a sua cabeleira ruiva eriçou-se. Ao terceiro canto do galo ela voltou-se e desapareceu voando. E atrás dela, saltando e esticando-se horizontalmente no ar, qual cupido voador, Varenukha flutuou lentamente sobre a mesa e saiu pela janela.

O velho embranquecido, sem um único cabelo preto, que ainda há pouco fora Rimski, correu para a porta, destrancou a fechadura, abriu-a e deitou a correr pelo corredor escuro. Ao virar para a escada, gemendo de pavor, tacteou à procura do interruptor e a escada iluminou-se. Na escada, o velho trémulo caiu, porque lhe pareceu que, vindo do alto, Varenukha se lançava suavemente sobre ele.

Correndo escada abaixo, Rimski avistou o guarda da noite, adormecido numa cadeira no vestíbulo, junto à bilheteira. Rimski passou ao lado dele em bicos de pés e saiu pela porta principal. Na rua sentiu-se um pouco melhor. Recompôs-se o bastante para, levando as mãos à cabeça, compreender que deixara o chapéu no gabinete.

Evidentemente, não voltou para trás a buscá-lo. Arquejando, atravessou a correr a rua larga até à esquina oposta, junto ao cinema, onde tremeluzia uma pálida luzinha avermelhada. Um minuto depois estava já ao lado dela. Ninguém tinha entretanto chamado o táxi.

— Para o expresso de Leninegrado, dou-lhe uma boa gorjeta — disse o velho, respirando pesadamente e levando a mão ao coração.

— Vou recolher à garagem — respondeu o motorista com ódio e voltou a cara.

Então, Rimski abriu a pasta, tirou cinquenta rublos e estendeu-os ao motorista através da janela da frente, que estava aberta.

Momentos depois, o carro, chocalhante, voava como uma flecha pela Sadovaia. O passageiro era sacudido no assento, e no fragmento de espelho pendurado diante do motorista, Rimski via, ora os olhos satisfeitos do motorista, ora os seus próprios olhos loucos.

Saltando do táxi em frente do edifício da estação, Rimski gritou ao primeiro homem que lhe apareceu de avental branco e com um distintivo:

— Primeira classe, um bilhete, dou-te trinta rublos. — Extraiu algumas notas da pasta, amarfanhando-as. — Se não houver primeira, segunda, se não houver segunda, compra de terceira.

O homem do distintivo, olhando para o relógio luminoso, arrancou as notas da mão de Rimski.

Cinco minutos depois, sob a cúpula de vidro da estação, partia o comboio expresso e perdia-se completamente na escuridão. E com ele desaparecia Rimski.