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CAPÍTULO XVI

Nada mais tendo a fazer em Lugano, partimos, na manhã seguinte, no novo Jaguar azul-escuro, para Gstaad. Desta vez, eu ia dirigindo, desejoso de experimentar aquela bela máquina enquanto subíamos as montanhas, ao sol suave de inverno, entre Zurique e Berna. Fabian ia ao meu lado, assobiando um tema que reconheci como sendo do concerto de Brahms que tínhamos ouvido dias antes. De vez em quando, ele ria. Imagino que estivesse pensando em Steubel na prisão de Lugano.

As cidades por onde passamos eram limpas e ordenadas, os campos geometricamente divididos, as casas, com seus grandes celeiros e telhados inclinados, testemunhas de uma vida pacífica e sólida, firmemente enraizada num passado próspero. Era uma paisagem de paz e continuidade, na qual não se podiam imaginar exércitos combatendo, fugitivos escapando, credores ou policiais perseguindo. Rechacei prontamente a idéia de que, se os policiais pelos quais de vez em quando passávamos e que polidamente nos mandavam seguir pelas ruas imaculadas soubessem a verdadeira história daqueles dois cavalheiros num automóvel reluzente, nos prenderiam imediatamente e nos escoltariam até a fronteira mais próxima.

Como não havia maneira de Fabian arriscar o nosso dinheiro enquanto estávamos na estrada, eu estava livre, pelo menos por um dia, de preocupações, da flutuação entre uma trêmula esperança e uma horrível ansiedade, que sempre me invadiam quando sabia que Fabian estava perto de um telefone ou de um banco. Nessa manhã, não precisara tomar nenhum Alka-Seltzer e sabia que, à hora do almoço, ia estar com apetite. Como de hábito, Fabian conhecia um ótimo restaurante em Berna e me prometera um almoço memorável.

O deslizante movimento do carro gerou, como tantas vezes acontece, agradáveis correntes sexuais no meu organismo e, enquanto dirigia, ia revivendo, na memória, os momentos culminantes da noite que passara em Florença com Lily e recordava, com prazer, a voz suave de Eunice, esperando por mim ao fim do dia, as sardas infantis no seu narizinho britanicamente arrebitado, sua esbelta garganta e seu busto à século XIX. Se nesse momento ela estivesse a meu lado, em vez de Fabian, eu não teria hesitado em me dirigir para um dos encantadores hotéis de madeira pelos quais passávamos, com nomes como Gasthaus Löwen e Hotel Drei Koenige, e pedir um quarto de casal para a tarde. Bem, consolei-me, prazer adiado é prazer aumentado, e pisei com mais força no acelerador.

Ao ver neve nos campos do alto da montanha, percebi que estava até pensando novamente em esquiar. Os dias passados na pesada atmosfera de Zurique, as conferências com advogados e banqueiros tinham-me feito ansiar pelo ar da montanha e o exercício violento.

– Você já esquiou em Gstaad? – perguntou Fabian. A vista da neve devia tê-lo feito pensar o mesmo que eu.

– Não – respondi. – Só em Vermont e em St.Moritz. Mas ouvi dizer que as pistas são fáceis.

– Pode-se quebrar a espinha lá – retrucou ele – como em qualquer outro lugar.

– Que tal são as moças esquiando?

– Esquiam como inglesas – disse ele, rindo. – Não desanimam facilmente. Você vai ver. Não são como a Sra. Sloane.

– Não me fale dela.

– Não deu certo, hem?

– Digamos que não.

– Não entendi por que você perdeu tempo com ela. Antes mesmo de conhecê-lo, achei que ela não era o seu tipo.

– E não era mesmo. Tudo aconteceu por sua culpa – falei.

– Como assim? – perguntou ele, espantado.

– Pensei que Sloane era você – expliquei.

– O quê?

– Pensei que ele apanhara minha mala. – E falei-lhe dos sapatos marrons e da gravata de lã vermelha, no trem de Chur.

– Puxa, que azar o seu! – exclamou Fabian. – Perder uma semana com a Sra. Sloane. Realmente, sinto-me culpado. Ela também enfiava a língua na sua orelha?

– Mais ou menos.

– Eu também passei por isso. No ano passado. Como foi que você descobriu que não se tratava de Sloane?

– Prefiro não responder. – No que me dizia respeito, a história de Sloane me encontrando com uma perna boa engessada, tentando enfiar meu pé no seu sapato e ele jogando o meu sapato e o relógio da mulher dele pela janela afora ia morrer comigo.

– Você prefere não responder – repetiu Fabian, ofendido. – Somos sócios, lembra-se?

– Lembro-me. Fica para outra vez – prometi. – Quando estivermos precisando dar umas boas risadas.

– Imagino que algum dia vamos precisar – falou Fabian. Permaneceu algum tempo em silêncio, enquanto avançávamos através de pinheirais admiravelmente preservados.

– Posso fazer-lhe uma pergunta, Douglas? – disse ele, por fim. – Você tem laços afetivos nos Estados Unidos?

Não respondi imediatamente. Pensei em Pat Minot, em Evelyn Coates, no meu irmão Hank, no lago Champlain, nas montanhas de Vermont, no quarto 602. Pensei também em Jeremy Hale e na Srta. Schwartz.

– Acho que não – respondi. – Por quê?

– Falando francamente – disse ele -, é por causa de Eunice.

– Como assim? Ela falou alguma coisa?

– Não. Mas você deve admitir que se tem mostrado muito reticente.

– Ela se queixou?

– A mim, não – disse ele. – Mas Lily insinuou que ela está intrigada. Afinal de contas, veio especialmente da Inglaterra… – Deu de ombros. – Você sabe o que quero dizer.

– Sim, eu sei. – Estava começando a me sentir mal.

– Você gosta de mulheres, Douglas?

– Ora, que é isso? – Lembrei-me do meu irmão em San Diego e entrei numa curva mais depressa do que o necessário.

– Estava só perguntando. Hoje em dia, nunca se sabe. Ela ê bem bonita, você não acha?

– Acho. Escute aqui, Miles – falei, mais indignado do que devia. – Se não me engano, a nossa sociedade não tem nenhuma cláusula segundo a qual eu tenha de fazer papel de garanhão.

– Que maneira mais crua de se expressar! – disse ele, mas riu. – Embora eu deva confessar que, no meu caso, de vez em quando não me tenha recusado a isso.

– Puxa, Miles! – exclamei. – Conheço a moça há só alguns dias. – Disse isso e logo me envergonhei da hipocrisia à qual ele me obrigava. Conhecia Lily havia quatro horas, quando fora ao quarto dela, em Florença. Quanto a Evelyn Coates… – Se você quer saber – disse eu -, não gosto do papel de amante público. – Finalmente, estava me aproximando da verdade. – Acho que fui educado de maneira diferente da sua.

– Ora! – disse ele. – Lowell não é assim tão diferente de Scranton.

– Você está brincando, Miles? – retruquei. – Nem que procurassem com uma lupa, encontrariam em você o menor resíduo de Lowell.

– Como você se engana! – disse ele. – Como você se engana! Douglas, acreditaria em mim se eu lhe dissesse que simpatizo muito com você, que os seus interesses me preocupam?

– Em parte – respondi.

– Para ser mais cínico – acrescentou ele -, principalmente quando os seus interesses coincidem com os meus.

– Aí, talvez – disse eu. – Mas aonde você quer chegar?

– Acho que devíamos colocá-lo no mercado de casamentos – declarou ele, num tom que traduzia uma decisão longamente meditada.

– Você está perdendo uma bela paisagem – disse eu.

– Estou falando sério. Preste atenção. Você tem trinta e três anos, não é mesmo?

– Sim.

– Dentro de um ou dois anos, deverá se casar.

– Por quê?

– Porque é o que todo mundo faz. Porque você é bastante bem-parecido. Porque vai ter pinta de solteiro rico. Porque alguma garota vai querer você para marido e vai escolher o momento exato para tomar a iniciativa. Porque, como você já me disse, está farto de viver só. Porque vai querer ter filhos. Não acha que tenho razão?

Lembrei-me, dolorosamente, do sentimento de privação e inveja que tivera quando telefonara a Jeremy Hale e sua filha atendera, dizendo numa voz pura e fresca: "Papai, é para você".

– Sim, acho que tem – admiti.

– Só estou sugerindo que você não deixe tudo nas mãos do acaso, como fazem os idiotas. Controle seu destino.

– Como é que eu vou fazer isso? Será que você vai me arrumar casamento e me fazer assinar um contrato? É assim que se faz, hoje em dia, no Principado de Lowell?

– Pode soltar as piadinhas que quiser – disse Fabian, calmamente. – Sei que elas se originam de um sentimento de embaraço, de modo que não me ofendem.

– Não seja tão irritantemente superior, Miles! – preveni.

– A palavra-chave, repito, é "controle" – disse ele, ignorando minha explosão.

– Se a memória não me falha, você se casou por dinheiro – lembrei. – E o resultado não foi assim tão maravilhoso.

– Eu era jovem e ambicioso – retrucou ele – e não tinha um homem mais velho e experiente para me orientar. Casei-me com uma idiota simplesmente porque ela era rica e estava disponível. Faria tudo quanto estivesse nas minhas mãos para evitar que você caísse no mesmo erro. O mundo está cheio de moças lindas e encantadoras, com pais ricos e indulgentes, que nada mais querem da vida senão casar-se com um jovem bonito, bem-educado e culto, e suficientemente rico para não estar atrás do dinheiro delas. Numa palavra, um rapaz como você. Puxa, Douglas, você sabe: é tão fácil amar uma moça rica quanto uma pobre.

– Se estou assim tão rico como você diz – insisti -, para que me preocupar com tudo isso?

– Questão de segurança – respondeu Fabian. – Não sou infalível. Sem dúvida, dispomos, no momento, de uma quantia que aos seus olhos parece substancial. Mas, aos olhos de homens verdadeiramente ricos, não passamos de dois pobrezinhos, Douglas.

– Tenho fé em você – disse eu, com um toque de ironia. – Você nos salvará de terminar a vida num asilo.

– É o que espero – retrucou ele. – Mas não há garantias. As fortunas são feitas e desfeitas. Vivemos numa era de revoluções. – Meneou a cabeça, tristemente. – Estamos sujeitos a catástrofes cíclicas. Quem sabe se agora mesmo não estamos à véspera de uma tormenta? É melhor prevenir do que remediar. E, sem querer trazer à baila assuntos desagradáveis, você é mais vulnerável do que a maioria. Não se pode ter a certeza de que não acabe sendo descoberto. A qualquer momento, algum sujeito extremamente desagradável poderá apresentar-lhe uma conta de cem mil dólares. Seria conveniente que você pudesse pagá-la na hora, não acha?

– Sem dúvida – falei.

– Uma esposa bonita e rica, de boa família, seria um excelente disfarce. Seria necessária muita imaginação para se desconfiar de que um rapaz bem-educado e elegante, freqüentador da melhor sociedade internacional e casado com uma sólida fortuna inglesa, tenha começado surrupiando um pacote de notas de cem dólares de um cadáver num hotel de má morte em Nova York. Está me entendendo?

– Estou – respondi, relutantemente. – Mas você estava falando em interesses mútuos. O que você teria a lucrar? Não ia esperar que eu lhe pagasse uma comissão sobre o dote da minha esposa imaginária…

– Nada tão grosseiro como isso, meu velho – disse Fabian. – Só esperaria que nossa sociedade não acabasse. A coisa mais natural deste mundo seria que sua esposa se sentisse grata se você a aliviasse do peso de manejar o seu dinheiro. E, como eu conheço as mulheres, ela preferiria que você se encarregasse disso, em vez de ter que depender da conhecida corte de corretores, procuradores e banqueiros astutos.

– E é aí que você entraria?

– Exatamente – sorriu ele, como se acabasse de me dar um presente de grande valor. – Nossa sociedade continuaria como antes. Qualquer capital novo que você trouxesse ficaria, é claro, reservado para você, mas os lucros seriam compartilhados. Coisa simples e justa. Espero ter-lhe provado a minha utilidade no campo dos investimentos.

– Prefiro nem comentar – disse eu.

– O trabalhador vale o que ganha – declarou ele, sentenciosamente. – Não acho que lhe seria difícil explicar isso à sua esposa.

– Depende da esposa.

– Depende de você, Douglas. Espero que escolha uma moça ajuizada, que confie em você, ame-o e queira dar-lhe uma prova concreta do seu amor.

Recordei o meu curriculum vitae no que dizia respeito a mulheres.

– Miles – falei -, acho que você tem uma idéia exagerada dos meus atrativos.

– Como já lhe disse, meu velho – retrucou ele -, você é demasiado modesto. Perigosamente modesto.

– Certa vez, namorei uma garçonete em Columbus, Ohio, durante três meses – contei. – E ela só me deixou segurar-lhe a mão no cinema.

– Você está subindo na esfera social, Douglas – disse Fabian. – As mulheres que você vai encontrar daqui por diante são atraídas pelos ricos, de modo que inevitavelmente se vêem rodeadas por homens mais velhos, ocupados quase que vinte e quatro horas por dia com negócios, e com muito pouco tempo para dedicar a elas. Por outro lado, há os homens que têm tempo para dedicar às mulheres, mas cuja masculinidade muitas vezes é ambígua, para não dizer outra coisa. Ou cujos interesses são transparentemente pecuniários. Sua garçonete de Columbus nem sequer iria ao cinema com um deles. Nos ambientes em que você vai circular agora, qualquer homem abaixo dos quarenta, com fortuna aparente e sinais evidentes de virilidade, que tenha tempo para um almoço de três horas com uma mulher, é recebido com enorme gratidão. Pode crer, meu velho, basta ser natural, ser você mesmo, para obter um grande sucesso. Um dos benefícios que pretendo incutir em você é um novo conceito do seu valor. Confio em que me convide para ser padrinho do seu casamento.

– Você é um calculista cínico, não? – falei.

– Sou calculista, sim, e pretendo ensiná-lo a calcular, também – respondeu ele, calmamente. – Acho absurdo que o verbo "calcular" tenha tão má reputação no mundo atual. Deixe a mania de romancear para as colegiais e os soldados, Douglas. Você, calcule.

– Tudo me parece tão… tão imoral – argumentei.

– Esperava que você nunca usasse essa palavra – disse ele. – Acha que foi moral fugir com todo aquele dinheiro do Hotel St. Augustine?

– Não.

– Foi moral, da minha parte, ficar com sua mala, quando vi o que havia nela?

– Acho que não.

– A moral é indivisível, meu filho. Não se pode escolher alguns pedaços, como se ela fosse uma torta pronta para ser servida. Convenhamos, Douglas, nem eu nem você podemos mais nos dar ao luxo de falar em moral. Entendamo-nos, Douglas: não foi uma questão de moral que fez você fugir de Steubel… e sim uma grande relutância em partilhar uma cela com ele.

– Você tem sempre um maldito argumento para tudo – reclamei.

– Ainda bem que você acha isso – retrucou ele, sorrindo. – Permita-me apresentar mais alguns argumentos. Desculpe-me se me repito, ao lhe assegurar que todas as minhas sugestões são no seu interesse. Já lhe disse que os seus interesses são também os meus. Estou pensando no tipo de vida que eventualmente vamos levar. Você concorda, creio, que, façamos o que fizermos, teremos que fazê-lo juntos… que vamos ter que estar sempre unidos ou em constante comunicação, como quaisquer sócios em qualquer empreendimento. Praticamente, em comunicação diária. Você concorda com isso, não?

– Concordo.

– Até agora, tirando aquele pequeno desentendimento em Lugano, tem sido muito agradável andar por aí, como temos feito.

– Realmente. – Eu não lhe falara nos Alka-Seltzers, nem nas calças apertadas.

– Com o tempo, porém, vai começar a enjoar. Andar de hotel em hotel, mesmo que sejam os melhores do mundo, viver fazendo malas acaba cansando. Viajar só é divertido quando se tem para onde voltar. Mesmo na sua idade…

– Por favor, não fale como se eu tivesse dez anos – pedi.

– Não seja tão sensível. – Riu. – Naturalmente, para mim você é invejavelmente jovem. – O seu tom tornou-se mais sério. – Na verdade, a nossa diferença de idade é uma vantagem. Duvido que pudéssemos continuar como estamos se ambos tivéssemos cinqüenta ou trinta e três anos. Começariam as rivalidades, surgiriam as diferenças de temperamento. Assim, você pode ser impaciente comigo e eu posso ser paciente com você. Conseguimos um equilíbrio muito útil.

– Não sou impaciente com você – protestei. – Só que, de vez em quando, fico apavorado.

Ele deu nova risada.

– Aceito isso como um elogio. Por falar nisso, Lily ou Eunice alguma vez lhe perguntaram como você ganha a vida?

– Nunca.

– Boas meninas – disse ele. – Verdadeiras damas. Alguém já lhe perguntou? Claro, desde o acontecido no hotel?

– Uma mulher. Em Washington. – Evelyn Coates.

– O que você respondeu?

– Que a minha família tinha posses.

– Não está mal. Pelo menos, por enquanto. Se lhe fizerem essa pergunta em Gstaad, sugiro que você diga a mesma coisa. Mais tarde, poderemos inventar uma outra história. Talvez você possa dizer que é um consultor empresarial. Isso cobre uma porção de atividades misteriosas, inclusive dos agentes da cia na Europa. Se as pessoas pensarem que você é um consultor, em certos círculos isso só lhe trará vantagens. Você tem uma cara tão honesta, que ninguém duvidará do que disser.

– E a sua cara? – perguntei. – Afinal de contas, as pessoas vão nos ver juntos a toda hora. Vamos acabar sendo responsáveis pela cara um do outro.

– A minha cara – disse ele, pensativo. – Muitas vezes fico horas examinando-a ao espelho. Não por vaidade, garanto-lhe. Por curiosidade. Francamente, não tenho bem a certeza de como pareço. Talvez moderadamente honesto. Qual a sua opinião?

– Acho que um playboy a caminho da velhice – respondi, cruel.

Fabian suspirou.

– Às vezes, Douglas – disse ele -, a franqueza não é a virtude que se apregoa.

– Você me perguntou.

– É verdade. Eu lhe perguntei. Não lhe vou perguntar de novo. – Ficou por um momento em silêncio. – Durante todos estes anos, tenho feito um esforço consciente numa certa direção.

– Qual?

– Procurei parecer um proprietário rural inglês semi-aposentado. Pelo que lhe diz respeito, vejo que não consegui.

– Não conheço nenhum proprietário rural inglês semi-aposentado – retruquei. – Nunca nenhum se hospedou no Hotel St. Augustine.

– Não obstante, você não percebeu que eu era americano?

– Não.

– Um passo na direção certa. – Alisou suavemente o bigode. – Você já pensou em morar na Inglaterra?

– Não. Para falar a verdade, nunca pensei em morar em lugar nenhum. Se minha visão não tivesse falhado, acho que estaria muito feliz vivendo em Vermont. Por que na Inglaterra?

– Muitos americanos acham o país agradável. Principalmente no campo, a uma hora ou pouco mais de Londres. Um povo educado, nada curioso. Nada de pressas nem de empurrões. Hospitaleiro para os excêntricos. Teatro de primeira. Se você gosta de cavalos ou de pescar salmões…

– Gosto de cavalos. Principalmente deste Rêve de Minuit.

– Belo animal! Mas não estava pensando exatamente nesses termos. O pai de Eunice, por exemplo, caça a cavalo três vezes por semana.

– E daí?

– Tem uma esplêndida propriedade, a apenas uma hora de Londres…

– Estou começando a entender – declarei, secamente.

– Eunice é inteiramente independente, do ponto de vista econômico.

– Que surpresa!

– Na minha opinião – continuou -, ela é muito bonita. E, quando não está sob a influência dominadora da irmã, uma moça brilhante e inteligente…

– Ela mal me olhou, desde que chegou – falei.

– Vai olhar – disse ele. – Não tenha medo.

Não lhe falei dos pensamentos lascivos que me tinham passado pela cabeça, com Eunice como alvo, quando atravessávamos o campo.

– Então, foi por isso que você pediu a Lily que convidasse Eunice para nos fazer companhia? – perguntei.

– Talvez, no meu subconsciente, isso me tenha ocorrido – disse ele. – Naquela altura.

– E agora?

– Agora, eu lhe aconselharia a pensar no caso – disse ele. – Não há grande pressa. Você pode pesar os prós e os contras.

– Que diria Lily sobre isso?

– A julgar pelo que ela tem dito aqui e ali, eu diria que, de um modo geral, Lily reagiria favoravelmente. – De repente, bateu palmas. Estávamos chegando aos arredores de Berna. – Não vamos falar mais no assunto. Por ora. Deixemos que as coisas sigam seu curso natural. – Estendeu a mão, tirou o mapa do porta-luvas e estudou-o por um momento, embora parecesse conhecer todas as curvas da estrada, todas as esquinas das ruas.

– Por falar nisso – perguntou, como quem não quer nada -, Priscilla Dean, naquela noite, também lhe deu o número do telefone?

– O que você quer dizer com também? – disse eu, quase gaguejando.

– Ela me enfiou o número na mão, mas não sou vaidoso a ponto de achar que fosse o único. Afinal de contas, ela é americana. Tradicionalmente democrática.

– Sim, ela me deu – confessei.

– E você fez uso dele?

Lembrei-me do sinal de ocupado.

– Não – respondi. – Não fiz.

– Que sorte! – disse Fabian. – Ela pegou gonorréia do marroquino. Vire à direita na próxima esquina. Em cinco minutos chegaremos ao restaurante. Os martínis são excelentes. Acho que você deve tomar um ou dois e, com o almoço, um vinho branco. Dirigirei durante o resto da tarde.