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CAPÍTULO XIX

De manhã, as seguintes coisas me aconteceram: Na bandeja do café, que mandei subir às dez horas porque não conseguira dormir senão quase de manhã, havia um bilhete de Eunice: "Querido Alma Gentil, vou-me embora de Gstaad no trem das nove. Tenho certeza de que você entende por que estou fazendo isto. Um beijo". Eu entendia.

Miles Fabian ligou para mim, pedindo-me que me encontrasse com ele na cidade, às onze, em frente ao Union Bank of Switzerland.

Fui preso. Ou, pelo menos, pareceu-me, na ocasião, que havia sido preso.

Estava fazendo a barba, olhando com desgosto para meus olhos amarelos refletidos no espelho, quando bateram à porta. Com o rosto ainda coberto de espuma, fui abrir: Um dos assistentes da gerência surgiu diante de mim, correto num terno escuro e numa camisa branca, acompanhado por um homem de sobretudo cintado e cabeça de porco-espinho, com cabelo grisalho e cortado bem curto.

– Sr. Grimes – disse o assistente da gerência -, podemos entrar?

– Estou fazendo a barba – respondi. – E, como vêem, ainda não me vesti. – Estava só com a calça do pijama e descalço. – Não podem esperar alguns minutos?

O assistente da gerência falou rapidamente em alemão com o homem do cabelo grisalho, que disse apenas:

– Nein.

– O Comissário Brugelmann diz que não pode esperar – falou o assistente da gerência, em tom de quem pede desculpas.

O Comissário Brugelmann entrou no quarto sem pedir licença.

– Por favor, Sr. Grimes – disse, por sua vez, o assistente da gerência.

Entrei no banheiro, peguei uma toalha, limpei o rosto e vesti um robe. O Comissário Brugelmann ficou no meio do quarto, percorrendo com olhar gelado o alto da escrivaninha, onde eu tinha a carteira e o relógio, e passando depois para as duas malas, colocadas em compartimentos sob as janelas.

"Didi", pensei. "Oh, meu Deus, descobriram a respeito de Didi. Ou pensam que descobriram." Eu não tinha idéia de qual era a idade mínima na Suíça. Provavelmente, variava de cantão para cantão, como tudo o mais no país. Estávamos no cantão de Berna. Podia ser até vinte e um anos, com todos aqueles colégios de meninas.

– Considero isto uma invasão – disse eu, secamente. – E gostaria de uma explicação.

De novo o assistente da gerência falou rápido em alemão com o policial. O comissário assentiu, num gesto de cabeça extremamente rígido. Tinha um pescoço grosso, caindo em pregas sobre o colarinho.

– O Comissário Brugelmann deu-me licença para explicar – disse o assistente da gerência. – Em resumo, Sr. Grimes, foi cometido um roubo. Ontem à noite. No quinto andar do hotel. Foi dada falta de um valioso colar de brilhantes.

O quarto de Eunice ficava no quinto andar.

– E que tem isso a ver comigo? – perguntei, aliviado. Pelo menos, Didi Wales não estava envolvida.

Nova troca de palavras em alemão. "Antes de viajar para qualquer lugar", pensei, "nunca mais vou esquecer de tomar aulas na Berlitz."

– Ontem à noite, bem tarde, o senhor foi visto perambulando pelos corredores do hotel – disse o assistente da gerência.

– Fui visitar uma amiga – retruquei. – Não estava, como o senhor diz, perambulando.

– Limitei-me a traduzir – disse o assistente da gerência, aborrecido. Via-se que não estava gostando nada de sua tarefa e provavelmente já estava arrependido de ter aprendido inglês.

O comissário de polícia disse algo em voz baixa.

– A senhora que o senhor visitou – disse o assistente da gerência – saiu do hotel às oito e meia da manhã. Por acaso sabe para onde ela foi?

– Não – respondi, quase sinceramente. Nunca pedira o endereço de Eunice. O bilhete que ela me mandara estava no bolso do meu robe. Esperava que não aparecesse.

O policial grunhiu várias frases que me soaram desagradavelmente.

– O senhor comissário pede licença para revistar o quarto – disse o assistente da gerência. As palavras pareciam sufocá-lo.

– Por acaso ele tem mandado? – perguntei, americano até o último dos direitos civis.

Nova palestra em alemão.

– Não tem mandado. Por ora – disse o assistente da gerência. – Se o senhor insistir num mandado, o comissário diz que terá de levá-lo à delegacia, onde o senhor ficará até que seja expedido o mandado. Avisa que pode levar muito tempo, talvez dois dias. E não será possível evitar a publicidade. Há sempre muitos jornalistas estrangeiros no hotel, devido à importância dos nossos hóspedes.

– Ele disse isso? – perguntei.

– Eu acrescentei alguma coisa – confessou o assistente da gerência. – Para o senhor ter uma base de ação.

Olhei para o Comissário Brugelmann. Ele devolveu-me glacialmente o olhar. Fazia calor no quarto, mas ele não desabotoara o sobretudo. Devia ter sangue gelado nas veias. Parente de cobras e lagartos.

– Muito bem – falei, sentando-me na poltrona. – Não tenho nada a esconder. Ele que comece a revistar o quarto. Mas, por favor, rápido. Tenho um compromisso às onze.

O assistente da gerência traduziu e o Comissário Brugelmann assentiu rigidamente. A primeira coisa que fez foi, com um gesto, mandar que eu me levantasse.

– O que ele quer agora? – perguntei.

– Quer revistar a poltrona.

Levantei-me, admirando a contragosto o talento profissional do Comissário Brugelmann. Naturalmente, se o colar estivesse escondido na poltrona, eu imediatamente me sentaria nela. Afastei-me e vi o policial passar a mão sobre a almofada, levantá-la e apalpar as molas. Depois, recolocou a almofada no lugar, alisando-a cuidadosamente, e fez-me sinal de que poderia sentar-me de novo.

Depois, passou rapidamente em revista todos os meus pertences. Terminando de revistar o armário, tirou para fora as minhas calças de esquiar e disse algo ao assistente da gerência, pelo tom de voz, uma pergunta. O assistente brincou nervosamente com o botão do paletó, enquanto traduzia.

– O Comissário Brugelmann deseja saber se estas são as únicas calças de esqui que o senhor trouxe.

– São – respondi.

– Onde o senhorr estafa antes? – O policial estava ficando impaciente com a demora da tradução e resolveu mostrar que falava uma variante de inglês.

– Em St.Moritz – respondi. – E em Davos.

– Em St.Moritz? Só com estas? – O comissário parecia não acreditar. – E agorra também em Gstaad?

– Chegam para os gastos – respondi.

– Quanto tempo o senhorr pensar ter férrias?

– Três semanas. Talvez mais.

Solenemente, o comissário voltou a pendurar as calças no armário. Depois voltou-se para mim, tirando do bolso um bloco com capa de plástico preto e sentando-se à escrivaninha, a fim de poder escrever com conforto.

– Agorra sentir mais algumas perguntas precisar fazer – disse ele. – Enderreço permanente nos Estados Unidos?

Quase disse Hotel St. Augustine, mas acabei dando o endereço da 81st Street, East. Pelo menos, se a Interpol, ou fosse lá o que fosse, investigasse, não poderia acusar-me de estar mentindo.

– Profission? – O comissário anotava diligentemente no seu bloquinho.

– Investidor particular – respondi imediatamente.

– Banco?

Pela expressão do seu rosto, percebi que, mais cedo ou mais tarde, eu teria de me explicar com mais detalhes.

– Union Bank of Switzerland, Zurique. – Agradeci, de todo. o coração, a Miles Fabian por ter insistido em abrir contas separadas em nossos nomes, para o que ele chamava de "dinheirinho de bolso".

– Na América?

– Desisti de aplicar dinheiro na América – respondi. – Estou pensando em residir na Europa. A economia…

– 0 senhorr já alguma vez foi prreso? – perguntou o comissário.

– Escute aqui – disse eu, apelando para o assistente do gerente. – Sou hóspede deste hotel, que é tido como um dos melhores da Europa. Não pretendo responder a perguntas insultuosas.

– É apenas simples rotina policial. – O botão do paletó do assistente da gerência estava quase caindo. – Não há nada de pessoal. Outros hóspedes também estão sendo interrogados.

O comissário não levantou a cabeça do bloco, escrevendo e falando ao mesmo tempo.

– Conhece o Sr. Miles Fabian, não? – perguntei.

– Claro, o Sr. Fabian é um dos nossos hóspedes mais antigos e estimados – disse o assistente.

– Pois bem, ele é meu amigo. Por que não o chamam e lhe perguntam a meu respeito?

O assistente falou num alemão muito rápido. O policial assentiu e disse:

– Antes já o senhorr ser prreso?

– Não, pelo amor de Deus!

– Outra coisa. – O comissário levantou-se. – Gostaria que o senhorr me dafa seu passaporte.

– Para que o senhor quer meu passaporte?

– Parra senhorr non sair de Suíça, Herr Grimes.

– E se eu não lhe der o meu passaporte?

– Enton outras medidas precisar tomarr. Como prrender senhorr. Prisons suíças boa fama, mas prisons.

– Por favor, Sr. Grimes – suplicou o assistente.

Abri a carteira e tirei o passaporte.

– Vou procurar um advogado – disse eu ao comissário, ao mesmo tempo em que lhe entregava o passaporte.

– O senhorr ter toda libertade – disse ele guardando o passaporte num bolso interno do seu sobretudo preto. – Precisar ainda fazerr talfez outras perguntas. Por hoje, serr tuda. – Moveu a enferrujada dobradiça do seu poderoso pescoço cantonal e saiu.

O assistente da gerência torcia as mãos de aflição.

– A gerência lhe pede mil desculpas. Isto é terrível para todos nós.

– Para os senhores também? – retruquei. Não pretendia facilitar-lhe as coisas.

– São essas mulheres ricas e descuidadas – continuou ele. – Não têm a menor idéia do valor do dinheiro. Perdem oitenta mil dólares em jóias no trem e depois nós ficamos dias procurando reavê-las. Felizmente, estamos na Suíça…

– O senhor não faz idéia de como eu me sinto feliz em estar na Suíça – falei. Arrependia-me agora amargamente da opção de compra de terreno que assináramos, no dia anterior.

– Tudo o que a gerência puder fazer, Sr. Grimes… – disse, contrito, o assistente. – Envidaremos todos os esforços.

– A gerência pode talvez reaver meu passaporte – disse eu. – Quero ir embora. Depressa.

– Compreendo – disse ele, com uma leve inclinação. – O foench está soprando. – Levou a mão à testa, como se quisesse ver se tinha febre. – O vento suão. Todo mundo se comporta de maneira estranha. Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Sr. Grimes. Nunca acreditei que o senhor fosse um criminoso.

– Obrigado – falei.

– Um bom dia de esqui – disse ele, automaticamente.

– Farei o possível – retruquei.

Torcendo o botão, o homem retirou-se.

Fabian estava à minha espera diante do banco, metido no seu elegante traje tirolês. Parecia tão bem como sempre e ninguém poderia suspeitar de que passara metade da noite perdendo trinta mil dólares. Quando me viu chegar, sorriu, mas logo franziu a testa diante da expressão no meu rosto.

– Escute aqui, meu velho – perguntou ele -, aconteceu alguma coisa?

Eu não sabia por onde começar, de modo que disse:

– Não, está tudo bem.

– Soube do que aconteceu com Eunice, que ela foi embora. Imagino que deva ter sido um choque para você. – A própria imagem da simpatia discreta.

– Cada coisa a seu tempo – disse eu. – Vamos primeiro tratar do assunto finanças. – Deixaria para falar sobre Eunice numa outra ocasião, quando eu já tivesse esfriado e não houvesse perigo de lhe dar um murro no queixo.

– Sinto muito – disse ele, pegando-me pelo braço e entrando comigo no banco. – Sloane teve uma sorte danada, ontem à noite. Assinei uma promissória, mas ele quer tudo em dinheiro. Prometi pagar-lhe às quatro da tarde. Já telefonei a Zurique para me mandarem o dinheiro, mas há certas formalidades… – Em vez de completar a frase, ele deu de ombros. – Os banqueiros suíços!

Entramos e fomos atendidos, numa sala dos fundos, por um rapaz que logo ligou para o nosso banco em Zurique e falou durante longo tempo em alemão. De vez em quando, levantava a cabeça do telefone e olhava para mim e para Fabian, de onde deduzi que nos estava descrevendo minuciosamente. Perguntou o número do meu passaporte e, felizmente, consegui recordá-lo. Ao fim de uma conversa de mais de quinze minutos com Zurique, desligou e disse:

– Muito bem, cavalheiros; às quatro horas, poderão sacar o dinheiro.

Assim que saímos do banco, Fabian disse:

– Prometi a Lily esquiar com ela esta tarde. Não é necessário contar-lhe o que se passou, não acha?

– Acho – respondi.

– Depois da noite de ontem, vai-me fazer bem tomar um pouco de ar – continuou ele. – Não foi propriamente uma noitada agradável. – Quando chegamos ao carro, que ele estacionara a poucos metros do banco, virou-se para mim e disse: – Escute, Douglas, estou preocupado com você. Está com um ar sombrio. Afinal de contas, perdemos só algum dinheiro…

– Não é por isso que estou com ar sombrio – retruquei, e contei-lhe da visita do policial. Só não lhe falei sobre Didi Wales ou sobre Eunice ou sobre o fato de eu ter sido visto perambulando pelos corredores.

Ele riu, como se eu lhe tivesse contado uma história engraçada.

– E você, roubou o colar? – perguntou.

– Ora bolas, Miles! – exclamei. – Que espécie de sujeito você pensa que eu sou?

– Estou começando a conhecê-lo, meu velho – disse ele. – E, afinal de contas, você tem andado em hotéis.

– Em um hotel – repliquei. – E o máximo que se podia roubar lá seria um par de abotoaduras das Lojas Americanas.

– Terei de lhe lembrar que você roubou algo bem melhor do que isso? – retrucou friamente, dando-me a entender que ele bem podia acreditar que eu roubara o colar.

– Ora, vá para o diabo! – falei. – Vamos esquiar.

Não falamos durante toda a viagem de volta ao hotel. Não foi dos melhores dias para a nossa sociedade.

Fabian esquiava bastante bem, fazendo os movimentos certos embora um pouco inadequadamente. Via-se que tinha tido bastantes aulas. Não era imprudente e eu ia sempre bem à frente dele e de Lily, de modo a não podermos conversar. Lily tentara sondar-me a respeito de Eunice.

– Puxa vida, Alma Gentil – perguntou ela -, o que foi que você fez à pobrezinha da minha irmã, para que ela fosse embora assim de repente?

– Pergunte a ela – retruquei. – Se alguma vez a vir.

– Oh, este foench! – exclamou Lily. – Põe todo mundo tão irritadiço.

Também ela me vinha com o vento sul.

Sloane entrou no clube quando estávamos almoçando. Avançou logo para a nossa mesa, suas botas fazendo ainda mais barulho do que o habitual. Tinha o rosto vermelho e triunfante e parecia ter estado bebendo. A dois metros de distância já se podia ouvir o seu ofegar. Pousei a faca e o garfo. De repente, ficara sem vontade de comer.

– Oi, caras! – saudou Sloane. – Que belo dia, hem?

– Lindo – disse Fabian, tomando um gole de vinho.

– Não vai convidar-me a sentar à sua mesa? – perguntou Sloane.

– Não – respondeu Fabian.

Sloane riu, seus olhos eternamente hostis.

– É disso que eu gosto – falou. – De um mau perdedor. – Enfiou a mão no bolso e tirou uma folha de papel de carta do hotel, com algumas linhas escritas. – Fabian – disse ele -, não vai se esquecer disto, vai?

– Não seja grosseiro – retrucou Fabian, friamente. – Há uma senhora à mesa.

– Bom dia, senhora – disse Sloane, como se só então reparasse em Lily. – Acho que já nos conhecemos. No ano passado, em St. Moritz.

– Recordo-me bem do senhor – respondeu Lily, abruptamente século XVIII.

Sloane dobrou cuidadosamente a folha de papel e voltou a enfiá-la no bolso. Depois, virou-se para mim. Bateu-me com força no ombro e perguntou:

– Que diabos você está fazendo aqui, Grimes? Pensei que havia partido a maldita perna.

– Foi um erro de diagnóstico – respondi.

– Como é, tem continuado a invadir quartos de hotéis?

Olhei em volta, preocupado. Sloane falara em voz alta, mas ninguém parecia estar ouvindo.

– Só ontem à noite – respondi.

– Sempre com piadas, o garoto! – disse Sloane. – É tarado por sapatos. – Deu uma gargalhada, os olhos venenosos e injetados de sangue rodeados por rugas. Era o tipo de homem capaz de destruir, em apenas meia hora, relações diplomáticas entre duas nações amigas. Só o fato de pensar que teríamos de entregar trinta mil dólares nessa mesma tarde àquele campônio americano fazia-me mal.

– Que tal o comércio de relógios, garotão? – continuou ele. – Tão próspero quanto no outro lado da Suíça?

– Vá para o inferno, Sloane – respondi, sentindo o sangue correr-me como novo pelas veias e o apetite voltar.

Ele riu, ininsultável, pelos menos nesse dia.

– Cuidado com esse cara – disse para Fabian. – É manhoso. – E riu de novo. – Bem, já que não me convidam para almoçar, acho que vou esquiar. Fiz serão ontem à noite e preciso sacudir as teias de aranha. Até as quatro, no hotel, Fabian – falou, num tom que já não era brincalhão.

E saiu ruidosamente da sala. Fabian suspirou.

– As pessoas com quem se tem de tratar!

– Americanos – comentou Lily. Mas logo pôs a mão no meu braço. – Desculpe, Alma Gentil. Não quis ofendê-lo.

– Os americanos são como todo mundo – disse Fabian. – Há os que não são para exportação. Tenho visto cada inglês…

– Eu também – disse Lily.

– Está todo mundo perdoado – falei. – Que tal mandarmos vir outra garrafa de vinho? – Meus nervos estavam precisando de uma boa dose de álcool, principalmente se estava pensando em esquiar depois do almoço. Além disso, sentado ali à mesa, com Fabian e Lily calmamente entregues a degustar o almoço, senti-me tentado a investir contra os dois contando o encontro em Florença e os detalhes do que Eunice me revelara em seu quarto na noite anterior. A tentação de dizer a Fabian que não queria mais nada com ele era forte e ter-me-ia dado imensa e imediata satisfação, mas os nossos negócios estavam tão interligados que destrinçá-los provavelmente levaria anos, se é que alguma vez isso poderia ser feito. Um gesto desses ainda tornaria as coisas mais difíceis, de modo que resolvi concentrar-me no almoço e na nova garrafa de vinho e não dar ouvidos à conversa de Fabian e Lily.

– Sr. Fabian, Sr. Fabian… – Um jovem instrutor de esqui entrou correndo no restaurante, falando em voz alta e nervosa. Ordinariamente, os instrutores não comiam na mesma sala que os hóspedes, e as pessoas nas outras mesas olharam com evidente e antidemocrática desaprovação.

– Sim? – Fabian fez sinal ao rapaz para baixar a voz. – O que foi?

– Seu amigo – disse o instrutor. – O Sr. Sloane. Por favor, venha. Ele estava enfiando os esquis…

– Fale mais baixo, por favor, Hans – pediu Fabian. Sabia o nome de todo mundo. Era uma das razões da sua popularidade entre garçons e recepcionistas. – Que foi que houve?

– Ele caiu para trás – disse o instrutor. – Caiu como um tronco. Acho que está morto.

Fabian olhou para mim com uma expressão curiosa em que eu poderia jurar que havia um brilho divertido.

– Bobagem, Hans – retrucou ele. – Acho melhor eu dar uma olhada. Lily, será preferível você ficar. Douglas, quer vir comigo? – Levantou-se e encaminhou-se rapidamente, o rosto grave e alvo de todos os olhares, para a porta. Segui-o. Nossas botas de esqui soaram como um batalhão de infantaria atravessando uma ponte. Ou um rufar de tambores para um americano desbocado, com uma promissória no valor de trinta mil dólares no bolso.

Uma pequena multidão estava agrupada em volta da saída das cadeiras aéreas, onde as pessoas colocavam os esquis. De repente, a tarde parecia ter parado. Sloane estava deitado de costas, olhando para o céu. Outro instrutor esfregava-lhe neve no rosto, que estava todo verde e roxo. Fabian ajoelhou-se ao lado do corpo, abriu o zíper do anoraque de Sloane, puxou para cima o suéter e a camisa pondo à mostra o peito do homem, cabeludo e branco. Comecei a tremer incontrolavelmente, os dentes batendo em espasmos involuntários. Fabian curvou-se e encostou o ouvido no peito de Sloane. Após o que parecia uma eternidade, levantou a cabeça, puxou a camisa e o suéter e fechou o zíper do anoraque.

– Acho melhor levá-lo imediatamente para o hospital – disse Fabian para os dois instrutores. – O mais depressa possível. – Levantou-se e passou a mão pelo rosto, como se a esconder sua tristeza. – Pobre homem – comentou -, bebia demais. A altitude e o frio súbito… Se vocês o carregarem até o teleférico – disse ele aos dois instrutores -, eu desço com ele. Telefonem pedindo que uma ambulância esteja à espera lá embaixo. Douglas, posso falar um momento com você?…

Passou o braço sobre meus ombros e levou-me para o lado, dois amigos do recém-falecido querendo ficar a sós por um momento, a fim de minorar o golpe da súbita perda. Parecia uma cena tirada de um filme de guerra classe B, pensei, desempenhando meu papel com convicção. A multidão, agora maior, afastou-se respeitosamente.

– Douglas, meu velho – sussurrou Fabian, batendo-me no ombro como que a consolar-me. – Não vou largar o cadáver. Quando descermos, tirarei a promissória do bolso dele. Você se lembra de que lado ficava o bolso?

– Isso é que é mostrar respeito pelos mortos – retruquei. – Do lado esquerdo.

– Admiro sua atitude, Alma Gentil. – Puxou-me para si num abraço fraterno, como se quisesse evitar que eu me deixasse abater. – Devo dizer, meu velho – murmurou -, que você é bamba, no que diz respeito a ataques cardíacos. – Deixou cair o braço e disse em voz alta, para que todos pudessem ouvir: – Você fica encarregado de dar a notícia a Lily. Coitada, que choque ela vai ter! Faça-a tomar um conhaque.

E encaminhou-se cabisbaixo pela neve até o teleférico, onde os dois instrutores amarravam o corpo numa das cadeiras. Fabian sentou-se ao lado e passou um braço protetor em volta do cadáver. Deu um sinal e a cadeira começou a descer lentamente.

Os dois instrutores instalaram-se na cadeira seguinte, guardas de honra, descendo até o vale nos seus anoraques berrantes para ajudar a transportar o morto.

Voltei ao clube, onde Lily terminava de tomar café, e mandei vir dois conhaques.