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CAPÍTULO XX

Quando voltei ao hotel, o recepcionista me disse que o Sr. Fabian me esperava em seu quarto. Era no fim da tarde. Eu e Lily tínhamos tomado vários conhaques, sentados em silêncio no restaurante aos poucos esvaziado. A morte exige almoços prolongados.

Eu tinha deixado Lily no cabeleireiro.

– Não há sentido – dissera ela – em desperdiçar a tarde toda. – Tínhamos descido de cadeirinha por uma questão de decoro. Descer de esqui, depois do que acontecera, teria parecido frívolo. Nenhum dos dois falara em Eunice.

– Qual foi a última coisa que você disse ao homem? – perguntou-me Lily, enquanto descíamos lentamente rumo ao vale sombrio.

– "Vá para o inferno" – respondi.

Ela assentiu com a cabeça.

– Foi isso o que pensei. Uma perfeita despedida. – Fez um gesto na direção dos picos a distância, brilhando ainda à luz do sol. A águia, ou o que quer que fosse, voltara a patrulhar o céu neutro da Suíça. – Há lugares piores para morrer – disse Lily rindo. – E despedidas piores. Se houvesse justiça neste mundo, ele deveria ter cortado a mulher do seu testamento.

– Tenho certeza de que não o fez.

– Eu disse: "Se houvesse justiça".

– Você acha que seu marido a cortou do testamento dele?

– Não seja tão americano – retrucou ela.

Não falamos mais nisso.

De volta ao hotel, parei numa loja e comprei um novo sobretudo. Didi Wales que ficasse com sua lembrança. Era um preço pequeno a pagar pela sua ausência.

Fabian estava fazendo as malas, quando entrei na suíte que ele ocupava com Lily. Não era dos que viajavam com pouca bagagem. Havia quatro malas espalhadas pelos dois quartos. Como de costume, havia jornais por todo lado, abertos nas páginas financeiras. Fabian fazia as malas com rapidez e ordem, sapatos num saco, camisas numa mala, em pilhas perfeitas.

– Vou acompanhar o corpo de volta aos Estados Unidos – disse ele. – É o mínimo que posso fazer, você não acha?

– Acho – concordei.

– Você tinha razão -: continuou ele. – A promissória estava no bolso esquerdo. Cuidaremos de todas as formalidades ainda hoje. Os suíços são muito eficientes quando se trata de mandar um estrangeiro morto para fora do país. Tinha só cinqüenta e dois anos. Um homem colérico. Autodestruidor. Uma lição para todos nós. Telefonei para a esposa. Recebeu a notícia corajosamente. Vai nos esperar, a mim e ao caixão, no Aeroporto Kennedy, amanhã. Já está cuidando de tudo. Por falar nisso, sabe onde Lily está?

– No cabeleireiro.

– Moça de sangue-frio! Admiro isso nela. – Tirou o fone do gancho e pediu para lhe ligarem com o cabeleireiro. Enquanto esperava, disse: – Importar-se-ia de nos levar de carro a Genebra, amanhã?

– Se a polícia me deixar sair da cidade – respondi. – Ainda não devolveram meu passaporte.

– Oh! – exclamou Fabian. – Quase ia me esquecendo. – Tirou meu passaporte do bolso e atirou-o sobre a mesa. – Aqui está ele.

– Como foi que você o conseguiu? – No fundo, eu não estava surpreso de que ele o tivesse reavido. Em parte contra a minha vontade, ele se firmara na minha imaginação como uma espécie de pai, enormemente poderoso, solucionador de problemas e mistérios, manipulador de homens e de leis. Folheei o passaporte, para ver se algo fora acrescentado ou subtraído. Não encontrei nada que indicasse que eu fora suspeito de um crime.

– O assistente da gerência deu-me o passaporte, quando eu entrei – disse Fabian, despreocupadamente. – Encontraram o colar.

– Quem o roubou?

– Ninguém. A dama o enfiara numa bota de esqui, por motivos de segurança, e se esqueceu de onde o pusera. O marido encontrou-o esta tarde. O assistente da gerência não sabia como pedir desculpas. Você vai encontrar um grande ramo de flores e uma garrafa de champanha em seu quarto, com um cartão de desculpas da gerência. Alô? – disse ele ao telefone. – Posso falar com Lady Abbott, por favor? – E, virando-se para mim: – Você não se incomoda de ficar uns dias só?

– Francamente – respondi -, nada me agradaria mais.

Ele arqueou as sobrancelhas.

– Bem… – falou.

– Estou cansado de correr de um lado para outro – expliquei. – Estou precisando de umas férias.

– Pensei que você estivesse se divertindo – disse ele, num tom de censura.

– As opiniões divergem – retruquei.

– Lily – disse Fabian ao telefone -, preciso viajar para os Estados Unidos amanhã. Vou ficar lá umas duas ou três semanas. Quer vir comigo? – Escutou por um momento. Depois, sorriu. – Eu sabia que você não me desapontaria – falou. – Volte logo, para começar a fazer as malas. – Desligou. – Ela adora Nova York – disse-me. – Vamos ficar hospedados no St. Regis, para o caso de você querer entrar em contato comigo.

– Vida dura, hem?

Ele deu de ombros e continuou a fazer as malas.

– É um hotel conveniente – disse. – E gosto do bar. Para dizer a verdade, mesmo que isto não tivesse acontecido, eu teria de viajar dentro de um ou dois dias. Quero tratar do negócio do chalé, e todos os prováveis interessados estão agora na costa leste. Posso ter de ir a Palm Beach por uma semana. Depois do funeral, claro.

– Lugar horrível!

– Essas suas ironias escondem um certo ressentimento de sua parte, Douglas. – Franziu a testa para um suéter de caxemira que estava dobrando. – Acho que não vou precisar disto, você não acha?

– Não. Em Palm Beach você não vai precisar disso.

– Você fala como se eu fosse fazer uma viagem de recreio – falou, novamente em tom de censura. – Juro que preferiria ir até a Itália com você. Por falar nisso, quero que faça uma coisa para mim, ou melhor, para nós… quando chegar a Roma. Entrei em contato com um encantador italiano chamado Quadrocelli. Que lindos nomes têm os italianos, não? Vou telegrafar ao dottore para ir esperá-lo. Há um belo negócio a concretizar.

– De que se trata?

– Não fique tão desconfiado.

– Você tem de confessar que não teve muita sorte na última coisa em que se meteu.

– Mas tudo acabou bem, não foi? – retrucou Fabian, sorridente.

– Não acho que possamos esperar que todo mundo com quem negociemos morra no dia de receber.

Fabian riu, revelando dentes esplêndidos por sob o bigode bem aparado.

– Quem pode dizer? Eu mesmo estou chegando à idade crítica.

– Só um machado daria cabo de você, Miles – respondi. – E você sabe disso.

Ele riu de novo.

– Seja como for, você pode explicar as circunstâncias ao Sr. Quadrocelli. Por que eu não pude ir pessoalmente. Ele mora em Porto Ercole, a cerca de duas horas de Roma. Um lugar lindo. Eu esperava poder passar pelo menos duas semanas lá. Há um hotel de primeira debruçado sobre o Mediterrâneo. Chama-se Pellicano. Um lugar ideal para se esconder com uma bela mulher. – Suspirou, com saudades do hotel de primeira classe debruçado sobre o Mediterrâneo. – Lily adora-o. Talvez possamos ir lá mais tarde. Peça o quanto com a varanda grande. O doutor tem uma villa relativamente, perto.

– Qual o negócio, desta vez?

– Gostaria que você não adotasse um ar tão sombrio, meu velho. Gosto de sócios otimistas.

– Meus nervos não são tão fortes quanto os seus.

– É, acho que não. Vinho.

– Como?

– Você me perguntou qual o negócio, desta vez. Pois o negócio é vinho. Do jeito que o mundo está bebendo atualmente, negociar com vinho é como ter uma licença para roubar. Você já reparou como os preços do vinho estão subindo? Principalmente nos Estados Unidos.

– Não, não reparei.

– Pois estão subindo, e muito. Quadrocelli tem uma pequena propriedade nos arredores de Florença. Produz um Chianti delicioso. Por ora, em pequena escala, só para consumo próprio e dos amigos. Está rodeado por vários pequenos proprietários que também produzem vinho da mesma qualidade. No verão passado, tivemos a idéia de comprar toda a produção dos vizinhos, mandar desenhar um bonito rótulo e engarrafar o vinho com o nome dele, para vendê-lo nos Estados Unidos, diretamente às cadeias de restaurantes, eliminando os intermediários. Você pode imaginar as vantagens.

– A verdade é que não posso – respondi. – Nunca eliminei nenhum intermediário. Mas suponho que basta você poder.

– Confie em mim – disse ele. – Naturalmente, seria necessário um pequeno capital. O Sr. Quadrocelli não tem o suficiente, e no verão passado, como você pode imaginar, eu também não tinha.

– Mas agora você tem.

– Nós temos. Primeira pessoa do plural, meu velho. – Bateu no meu braço num gesto fraterno. – Tenho estado em contato com o Sr. Quadrocelli e ele está elaborando um plano de produção. Gostaria que você desse uma olhada nele e me ligasse para Nova York. Acho até que seria uma boa idéia se você me ligasse a cada poucos dias, digamos às dez horas da manhã, hora de Nova York. Os negócios estão sempre surgindo.

– Eu que o diga.

– Faz com que o sangue circule melhor – disse ele. – Diga ao Sr. Quadrocelli que estarei contatando restaurantes nos Estados Unidos. Felizmente, tenho ótimos amigos nesse setor. Alguns deles até insistiram comigo para que eu aceitasse o cargo de vice-presidente, encarregado das relações públicas. Mas isso significaria ter que ir todos os dias trabalhar. Nem posso pensar! Por mais que me pagassem. Também teria que sorrir a toda hora, coisa que não é para mim. Mas eles comprarão um bocado de vinho.

– Miles – disse eu -, que outros planos você tem na cabeça, prontos a jogar em cima de mim, um de cada vez?

– Não quero preocupá-lo com planos antes que eles amadureçam, Alma Gentil. – Riu. – Você devia agradecer-me por isso.

– E agradeço – repliquei.

– Depois do jantar – disse ele – vou dar-lhe o endereço e o telefone de Quadrocelli. E o endereço do meu alfaiate em Roma. Diga-lhe que é meu amigo. Sugiro que você passe a usar novas roupas. Também vou lhe dar o endereço de um ótimo camiseiro. E acho que você deveria jogar fora todo o seu guarda-roupa atual. Não favorece em nada a nossa imagem, se é que você entende o que quero dizer. Espero não o ofender.

– Pelo contrário – repliquei. – Entendo muito bem. Quando nos voltarmos a ver, eu serei um crédito para você.

– Ótimo! – disse ele. – Quer o telefone de algumas lindas garotas italianas?

– Não. Disso eu cuido sozinho, obrigado.

– Foi só para lhe poupar tempo.

– Não estou com pressa.

– Finalmente – disse ele -, vamos ter que procurar expurgar o velho puritano que há em você. Entrementes, acho que terei de aceitá-lo como é.

– E como eu aceito você.

Enquanto falava, ele ia e vinha, saindo do quarto com vários artigos de vestuário que metia numa mala ou noutra. Por fim, trouxe a bela jaqueta tirolesa.

– Acho que isto ficaria muito bem em você, Douglas – disse ele. – Está um pouco grande em mim. Você gostaria?

– Não, obrigado. Não pretendo mais esquiar este ano – respondi.

– É, eu compreendo. O que aconteceu hoje tirou mesmo a vontade de esquiar.

– Eu não queria vir.

– Às vezes, a gente tem que fazer coisas para agradar às mulheres – disse Fabian. – Por falar nisso, não quer me dizer por que Eunice foi embora?

– Não.

– Sinto que você não tenha querido seguir meu conselho – disse Fabian. – Era um bom conselho.

– Ora, por favor, Miles! Chega! Ela me contou tudo. – De repente, senti uma raiva louca daquele homem elegante, perfeitamente calmo, sempre bem-posto, calça e camisa impecáveis, sapatos bem engraxados, fazendo com perícia suas malas, o protótipo do viajante da era do jato. – Contou-me tudo a seu respeito. Ou, pelo menos, o suficiente.

– Não tenho a menor idéia do que você está falando, meu velho. – Enfiou meia dúzia de pares de meias num dos cantos da mala. – O que ela lhe poderia contar a meu respeito?

– Que está apaixonada por você.

– Meu Deus! – exclamou ele.

– Que você teve um caso com ela. Eu ainda não estou em posição de aceitar o que você rejeita.

– Meu Deus! – disse ele de novo. – Ela disse isso?

– E mais.

– Desde que o conheci – disse ele – preocupo-me com sua inocência. Você se choca com tudo. As pessoas têm casos, é um dos fatos da vida. Casos que duram mais ou menos. Meu Deus, homem, alguma vez você foi a um casamento no qual a noiva não tenha tido um caso com pelo menos um dos convidados?

– Você podia ter me dito – retruquei, sabendo que parecia idiota.

– Para quê? Pense bem. Sugeri-a a você com as melhores intenções. Tanto no seu interesse como no dela. Posso garantir-lhe que ela é uma moça encantadora. Tanto na cama como fora dela.

– Mas ela queria casar-se era com você.

– Um capricho passageiro. Para começar, sou demasiado velho para ela.

– Ora, ora, Miles. Cinqüenta não são tantos anos assim.

– Mas acontece que eu não tenho cinqüenta. Tenho muito mais.

Olhei para ele incrédulo. Se não me tivessem dito, quando o conhecera, que ele tinha cinqüenta anos, eu teria achado difícil acreditar que passava muito dos quarenta. Sabia que ele gostava de mentir, mas por que quereria fingir que era mais velho do que na verdade era?

– Quantos anos mais? – perguntei.

– Vou fazer sessenta anos no mês que vem, meu velho.

– Você precisa contar-me o seu segredo – disse eu. – Um dia destes.

– É, um dia destes – concordou ele, fechando uma das malas. – As mulheres como Eunice não têm noção do futuro. Olham para um homem que lhes interessa e vêem apenas um amante, sem idade e apaixonado, não o velho, sentado junto ao fogo e de chinelas, que ele vai ser dali a alguns anos. Claro que você não precisa dizer a ninguém o que acabou de saber.

– Lily sabe?

– Absolutamente – respondeu ele. – É por essas e outras que pensei estar fazendo a você e a Eunice um favor.

– Que não deu resultado – disse eu.

– Sinto muito.

Quase lhe contei sobre Didi Wales deitada nua na minha cama, mas percebi a tempo que isso não me faria crescer aos olhos dele.

– Seja como for – falei -, acho que foi bom para todos Eunice ter ido embora.

– Talvez você tenha razão – retrucou. – Como vamos saber? Por falar nisso, há alguém a quem você gostaria que eu telefonasse ou visitasse durante a minha estada nos Estados Unidos?

Pensei um pouco.

– Talvez você pudesse telefonar a meu irmão, em Scranton – disse eu, escrevendo o endereço dele. – Pergunte-lhe como vai indo. E diga-lhe que comigo vai tudo bem, que fiz um amigo.

Fabian sorriu, satisfeito.

– E fez mesmo. Mais alguém?

Hesitei.

– Não – acabei dizendo.

– Será um prazer. – Fabian guardou o papel com o endereço de Henry no bolso. – Agora, se você não se importa, preciso fazer os meus exercícios de ioga antes de tomar banho. Imagino que você queira trocar de roupa para jantar…

Ioga, pensei, ao sair da suíte. Talvez fosse esse o segredo.

Fiquei vendo o enorme avião decolar de Cointrim, o aeroporto de Genebra, com Fabian, Lily e o caixão. O céu estava cinzento e começava a chover. Eu tinha dito que nada me agradaria mais do que ficar sozinho por alguns dias e pensara que ia sentir-me aliviado com a partida deles, como um colegial no início das férias, mas na verdade senti-me só e deprimido. Tinha o endereço e o telefone do Sr. Quadrocelli, mais os endereços do alfaiate e do camiseiro, em Roma, e uma lista que Fabian me dera dos restaurantes e das igrejas que eu devia conhecer, na viagem à Itália. Mas foi com esforço que não me dirigi ao balcão e comprei uma passagem no próximo avião para Nova York. Assim que o avião deles sumiu no oeste, senti-me abandonado, como uma criança que não foi convidada para uma festa.

E se o avião caísse? Afinal de contas, era provável. Senão, por que teria eu pensado nisso? Como piloto, sempre tivera um interesse macabro e profissional por acidentes de aviação. Sabia muito bem que não havia coisa mais fácil. Uma válvula entupida, turbulência inesperada em céu claro, um bando de andorinhas… Quase podia ver Fabian se precipitando calmamente nos ares, afogando-se imperturbável, talvez confessando a Lily, antes que o oceano o engolisse, a sua verdadeira idade.

Desde o início da minha aventura, já estivera envolvido em duas mortes – o velho do St. Augustine e Sloane, agora voando para a sepultura. Haveria uma terceira morte? O dinheiro que eu roubara seria maldito? Devia ter deixado Fabian partir? Como seria o resto da minha vida sem ele? Se pudesse teria mandado voltar o avião e corrido pela pista para abraçá-lo, mesmo antes de o aparelho ter pousado.

Em meio à escuridão do tempo, a Europa me parecia subitamente hostil e cheia de armadilhas. "Talvez", pensei, dirigindo-me para onde o Jaguar ficara estacionado, "a Itália me cure." Mas não tinha muita esperança.