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CAPÍTULO XXI

Viajando de Genebra para Roma, visitei a maioria das igrejas constantes da lista que Fabian me dera e comi nos restaurantes que ele me indicara, resultando numa confusão de vitrais, madonas, santos e pratos de spaghetti à la vongole e fritto misto. Não houvera notícia de nenhum avião caindo no oceano Atlântico. O tempo estava bom, o Jaguar rodava que era uma beleza, as paisagens eram lindas. Era o tipo da viagem com que eu sonhava desde garoto, e deveria ter saboreado cada momento dela. Mas, quando atravessei a Piazza del Popolo, percebi que, pela primeira vez na minha vida, me sentia tristemente só. Sloane conseguira vingar-se.

Utilizando um mapa, dirigi-me lentamente para o Grand Hotel, outra sugestão de Fabian. O trânsito parecia coisa de loucos, os outros motoristas terrivelmente hostis. Parecia-me que, se entrasse numa rua errada, ficaria perdido dias a fio numa cidade de inimigos.

O quarto que me deram no Grand Hotel era demasiado grande para mim e, embora lá fora estivesse batendo sol, no interior estava bastante escuro. Pendurei cuidadosamente minhas roupas. Fabian dissera-me que Quadrocelli estava viajando e só deveria voltar a Porto Ercole no fim da semana. Estávamos na segunda-feira. Tinha quatro dias para apreciar Roma ou ficar desesperado.

Quando tirei as coisas da maleta, encontrei no fundo o espesso envelope que Evelyn Coates me dera para entregar ao seu amigo da embaixada. Anotara o nome, o endereço e o telefone dele numa agenda. Verifiquei. Lorimer, David Lorimer. Evelyn me pedira que não lhe telefonasse para a embaixada. Passava um pouco da uma da tarde. Talvez ele tivesse ido a casa almoçar. Havia quase uma semana que eu estava só, isolado pela barreira da língua. Tinha a esperança de que o Sr. Lorimer me convidasse para almoçar. A voluntária insociabilidade dos meus tempos do St. Augustine desaparecera. Sentia falta de Lily e Fabian, das suas vozes falando em inglês, sentia falta de muitas outras coisas, algumas vagas e indefiníveis.

Dei o número à telefonista. Pouco depois, uma voz masculina disse:

– Pronto.

– Meu nome é Douglas Grimes – disse eu. – Evelyn…

– Sei – atalhou ele. – Onde você está?

– No Grand Hotel – respondi.

– Dentro de quinze minutos estou aí. Você joga tênis?

– Bem… – Estaria ele falando em código? – Um pouco.

– Estava de saída para o clube. Precisamos de um quarto jogador.

– Não trouxe nada…

– Tudo se arranja no clube. E eu tenho uma raquete extra. Encontro-me com você no bar. Meu cabelo é vermelho, dou na vista.

E desligou abruptamente.

Um homem alto, magro e ruivo entrou no bar, com passos ao mesmo tempo desengonçados e enérgicos. Tinha o cabelo muito comprido, pelo menos para um diplomata, rosto vincado, sobrancelhas grossas, também ruivas, e um senhor nariz. Como ele bem dissera, dava na vista. Apertamos as mãos um do outro. Ele devia ter aproximadamente a minha idade.

– Encontrei uns tênis velhos – foi logo dizendo. – Que número você calça?

– 43 – respondi.

– Ótimo. Como eu.

O carro dele, um pequeno e elegante Alfa Romeo azul, conversível, de dois lugares, estava estacionado bem em frente ao hotel, atrapalhando o trânsito. Um policial olhava para o carro com ar de sofrimento. O guarda ralhou com Lorimer numa voz musical, mas o americano acenou para ele com um sorriso e enfiamo-nos no trânsito. Ele guiava à romana e quase batemos umas dez vezes antes de chegarmos ao clube de tênis, situado às margens do Tibre. Guiar, principalmente àquela velocidade, parecia exigir toda a sua atenção, de modo que pouco falamos. Em dado momento, ele disse:

– Estes são os jardins da Villa Borghese. – E entramos num parque verdejante. – Você precisa dar uma olhada no museu.

– Vou dar – prometi. Estava começando a gostar de museus. Fabian ficaria satisfeito quando eu lhe dissesse que tinha visitado o Museu Borghese. Fazia parte da sua lista. "Preste atenção nos Ticiano", dissera ele.

Quando atravessamos os portões do clube, Lorimer estacionou o carro à sombra de uns plátanos. Havia outros carros estacionados, mas não se via ninguém. Quando eu ia abrir a porta do meu lado, Lorimer estendeu a mão e segurou-me o braço.

– Está com você?

– Está. – Meti a mão no bolso interno do paletó e tirei o envelope, que entreguei a Lorimer. Sem sequer o examinar, ele enfiou-o no bolso interno do seu paletó.

– Evelyn escreveu dizendo que você me ligaria – disse Lorimer. – Obrigado por não ter telefonado para a embaixada.

Saímos do carro, Lorimer carregando uma velha sacola de tênis. Quando nos dirigíamos para a sede do clube, ele disse:

– Ainda bem que você veio. É difícil arranjar parceiros a esta hora. Gosto de jogar antes do almoço, e os italianos só jogam depois do almoço. Diferenças fundamentais entre duas civilizações. Irreconciliáveis. Como se estivéssemos em lados opostos de um abismo. – Cumprimentou dois homens baixos e morenos que jogavam num dos courts. – Daqui a um minuto! – gritou.

Os dois homens estavam apenas treinando, mas pareciam ótimos jogadores.

– Acho que vou prejudicar seu jogo – disse eu. – Há anos que não sei o que é tênis.

– Não se preocupe – retrucou ele. – Eles não agüentam a mão por muito tempo. – Riu, um riso simpático e amigo.

Os tênis cabiam-me perfeitamente, e o short e a camisa estavam mais ou menos, um pouco grandes, talvez.

– Carregue tudo o que você tiver de valor para a quadra – aconselhou Lorimer. – Podia deixar no balcão, mas tem havido queixas. E não deixe o seu passaporte à mostra por aí, ou um dia terá a desagradável surpresa de ler no jornal que um siciliano chamado Douglas Grimes foi preso contrabandeando heroína. – Reparei que ele não só carregava a carteira, os níqueis e o relógio, como também o envelope de Evelyn.

Duvido que os dois homens com quem jogamos tivessem entendido o meu nome. Lorimer apresentou-nos, mas falou em italiano e eu não consegui entender os nomes deles.

Gostei mais de jogar do que pensara. Esquiar mantivera-me em boa forma física e os reflexos não me haviam abandonado. Além do mais, conforme o Dr. Ryan garantira, minha visão em nada prejudicava a prática de esportes. Lorimer parecia um furacão na quadra, irregular mas intermitentemente eficiente. Dividimos os dois primeiros sets com os italianos, que, conforme Lorimer predissera, não agüentaram a mão por muito tempo. Eu próprio fiz uma bolha no polegar no terceiro set e tive que parar. Mas a bolha nada era, comparada com o prazer de jogar tênis ao sol cálido de Roma, à beira do rio em que, de acordo com Shakespeare, César nadara com a armadura posta. Fazia tempo que não chovia e o rio parecia pequeno e inocente, bom para eu nadar.

Enquanto nos vestíamos, após um bom banho de chuveiro, os italianos convidaram-nos a almoçar lá mesmo, no clube, antes de voltarem para o trabalho.

– Escute aqui, parceiro – perguntou-me Lorimer -, é a primeira vez que você vem a Roma?

– O primeiro dia – respondi.

– Então não vamos comer aqui. Vamos a um lugar freqüentado por turistas. O Tre Scalini, na Piazza Navona. – Concordei. Também estava na lista de Fabian. – Sempre que alguém vem a Roma – disse Lorimer – aconselho-o a não esquecer que é turista. A ver e a fazer tudo o que está nos guias de turismo. O Vaticano, a Capela Sistina, o Castelo SantÂngelo, o Moisés, o Foro, etc. Afinal de contas, por algo figuram nos guias. Depois, a pessoa pode traçar seus próprios programas. Para ler, sugiro Stendhal. Você lê francês?

– Não.

– Que pena!

– Bem que gostaria de voltar à escola.

– Só você? – retrucou ele.

– Gostou do almoço? – perguntou Lorimer. Estávamos sentados no terraço, olhando para a grande fonte, com as quatro enormes figuras femininas representando os rios. Sem dúvida uma idéia muito melhor do que comer um sanduíche e beber uma cerveja no bar do clube.

– Muito – respondi.

– Não diga isso em voz alta – aconselhou Lorimer. – Em certos círculos sofisticados, fica bem dizer que a comida aqui é intragável. – Riu. – Você ficaria marcado como um americano de paladar inculto e teria dificuldade em conhecer uma principessa.

– Bem, posso dizer que gostei da vista, não?

– É melhor dizer que passou pela Piazza Navona por acaso. À noite. Isso, se o assunto vier à baila. – Ficou um momento olhando para a fonte. – Impressionantes, não?

– O quê?

– Essas quatro mulheres. É uma das razões por que prefiro Roma a Nova York, por exemplo. Aqui, você se s esmagado pela arte e pela religião, não pelo aço e o concreto das companhias de seguros e das corretoras.

– Há muito que você está aqui?

– Não tanto como eu gostaria. E os filhos da mãe estão procurando remover-me. – Levou a mão à altura do bolso interno do paletó, onde guardara o envelope que eu lhe dera. Tinha-o tirado, aberto e passado os olhos pelas páginas enquanto esperávamos que nos servissem. Quando tinham trazido o primeiro prato e o vinho, ele enfiara as folhas de volta no envelope sem comentários. – Está tudo aqui – disse, indicando novamente o bolso interno. – Estão querendo pegar-me. Eu sei e eles sabem que eu sei. Estamos todos esperando que alguém dê o primeiro passo. Mandei algumas recomendações que não foram recebidas… bem… com entusiasmo em certos setores. Forcei alguns contratos. Evelyn também está envolvida e a sua cabeça também está em jogo. Tentamos fazer chegar o dinheiro a quem de direito, neste belo e lamentável país, com seu povo desesperado… não às pessoas erradas. Uma diferença de opinião, possivelmente fatal. Não ande por aí dizendo que me conhece. Há espiões por todo lado. Quando eu voltar à minha mesa, os papéis terão sido remexidos. Pareço paranóico, não?

– Não sei – respondi -, embora Evelyn insinuasse…

– Não é a primeira vez que acontece – disse Lorimer – e tenho certeza de que não vai ser a última, com o que está havendo em Washington. O que McCarthy fez vai parecer brincadeira de criança, comparado com o que o pessoal que está na Casa Branca é capaz de fazer. Orwell enganou-se. Seu livro não devia chamar-se 1984, e sim 1973. Você acha que vão conseguir tirar aquele sujeito da Casa Branca?

– Não tenho acompanhado os acontecimentos – respondi, dando de ombros.

Lorimer olhou para mim com expressão estranha.

– Americanos – disse, meneando a cabeça. – Aposto como ainda vai estar lá nas próximas eleições. Com o pé nos nossos pescoços. Meu próximo posto será provavelmente em algum pequeno país africano, onde a cada três meses haja um golpe de Estado e matem os embaixadores americanos. Venha me visitar. – Riu e encheu um copo de vinho. Parecia tudo, menos assustado. – Acho que não lhe vou poder dedicar muito tempo, esta semana. Vou ter que ir a Nápoles. Mas no sábado estarei de volta para jogarmos tênis, e à noite há um joguinho de pôquer, quase todos jornalistas, ninguém da embaixada… Evelyn mandou dizer que você era ótimo jogador de pôquer…

– Sinto – repliquei -, mas não vou estar em Roma. No sábado tenho de estar em Porto Ercole.

– Em Porto Ercole? – disse ele. – Vai hospedar-se no Pellicano?

– Para falar a verdade, já tenho reserva lá.

– Para um cara que acabou de chegar à Itália, você está bem informado. O Grand Hotel em Roma, o Pellicano em Porto Ercole…

– Indicações de um amigo – expliquei. – Muito bem informado.

– Você vai gostar – disse Lorimer. – Sempre que posso, vou lá passar os fins de semana. Há uma ótima quadra de tênis. Estou com inveja de você. – Olhou para o relógio e depois tirou a carteira para pagar.

– Por favor – disse eu -, deixe comigo.

Ele guardou a carteira.

– Evelyn me disse que você era rico. É verdade?

– Mais ou menos – respondi.

– Que sorte! Nesse caso, deixo-o pagar o almoço. – Levantou-se. – Quer que eu o leve de volta ao hotel?

– Acho que prefiro caminhar.

– Bem pensado – disse ele. – Quem me dera ter tempo de lhe mostrar a cidade! Mas os carrascos estão à minha espera. Arrivederci, amigo. – E saiu na direção do carro, rápido e americano, as estátuas contemplando-o, rumo à mesa onde os papéis tinham sido remexidos na sua ausência.

Terminei lentamente de tomar o café, paguei e fui andando sem pressa na direção do hotel, pensando que Roma, vista por um pedestre, era bem diferente e muito melhor do que vista de um automóvel. Pelo menos nessa tarde. A descrição que Lorimer fizera da Itália como sendo um país lindo mas lamentava, povoado de gente desesperada, parecia apenas parcialmente correta.

Encontrei-me numa rua estreita e movimentada, a Via del Babuino, cheia de galerias de arte. Fiel a Fabian, olhei para as vitrinas. Numa delas estava exposto um grande quadro a óleo representando uma rua deserta, numa pequena cidade americana: a farmácia, a barbearia, o banco em estilo colonial, tudo no que parecia a noite de um dia frio no meio da zona das pradarias. Estava pintado com realismo, mas com um realismo acrescido de uma atenção obsessiva ao mais mínimo detalhe, o que dava a impressão de uma visão fanática e distorcida da região, ao mesmo tempo apaixonada e furiosa. O nome do pintor, que estava expondo individualmente na galeria, não era americano… ou talvez fosse meio americano: Ângelo Quinn. Levado pela curiosidade, entrei na galeria. Além do dono do lugar, um sexagenário frágil e grisalho de colarinho alto, e de um homem jovem e mal vestido, com a barba por fazer, que lia a um canto uma revista de arte, eu era a única pessoa presente.

Todos os quadros representavam cidadezinhas americanas ou velhos bairros em ruínas, aqui e ali uma casa de fazenda batida pelas intempéries e empoleirada num morro ventoso, ou uma ferrovia enferrujada, com charcos gelados refletindo um céu escuro, os trilhos parecendo não levar a nenhum lugar, como se o último trem tivesse passado por ali um século antes.

Não havia indicação, nas molduras, de que qualquer dos quadros tivesse sido vendido. O dono da galeria não me seguiu nem procurou falar comigo, lançando-me apenas um sorriso triste, de dentadura, quando o seu olhar encontrou o meu. O jovem da revista de arte não ergueu sequer os olhos do que estava lendo.

Saí triste da galeria, mas também reanimado. Meu gosto artístico ainda não estava suficientemente apurado para poder dizer se os quadros eram bons ou maus, mas eles tinham me falado ao coração, tinham me lembrado, de modo indefinido mas inequívoco, algo que eu não queria esquecer a respeito da minha pátria.

Caminhei lentamente pelas ruas cheias de gente, meditando na experiência. Era muito parecida com o que eu sentira com os livros aos trinta anos, quando começara a ler a sério, a sensação de que algo de enorme e enigmático me estava sendo revelado. Lembrei-me do que Fabian dissera na manhã em que tínhamos visitado o Museu Maeght, em St. Paul-de-Vence… que, depois que eu tivesse visto bastantes obras de arte, franquearia um certo limiar de emoção. Resolvi voltar à galeria no dia seguinte.

Perto do hotel, por acaso, reparei que estava passando pela alfaiataria em que Fabian me aconselhara mandar fazer uns ternos. Entrei e levei uma hora escolhendo tecidos e falando com o contramestre, que arranhava um pouco de inglês. Mandei fazer cinco ternos. Ofuscaria Fabian, da próxima vez que nos encontrássemos.

No dia seguinte, peguei uma lista das galerias de arte romanas expondo naquela semana e visitei-as todas, antes de voltar à mostra de Quinn. Queria ver se as outras obras de arte contemporânea me afetavam. Não me afetaram. Realistas, surrealistas, abstratas, nenhuma me falava ao coração. Voltei então à galeria da Via Del Babuino e fui andando lentamente de quadro em quadro, examinando cada um deles com cuidado e espírito crítico, para ter a certeza de que o que eu sentira na tarde anterior não resultará de ter sido o meu primeiro dia em Roma, de ter almoçado bem e tomado um bom vinho, de ter tido o prazer de conversar com um simpático americano, após uma semana de silêncio.

O efeito que os quadros tiveram sobre mim foi ainda maior do que no dia anterior. De novo o dono da galeria e o jovem da revista de arte eram os únicos presentes, como se não tivessem arredado pé nas últimas vinte e quatro horas. Se me reconheceram, não o demonstraram. "Se posso mandar fazer bons ternos", pensei subitamente, "também posso comprar um quadro." Nunca comprara sequer uma gravura e não sabia como fazer. Fabian tinha pechinchado com o marchand em Zurique, mas eu sabia que não tinha jeito para isso.

– Desculpe – disse eu ao velho dono da galeria, que logo sorriu automaticamente. – Estou interessado em comprar o quadro da vitrina. E talvez também esse aí. – Estava de pé diante do óleo dos trilhos abandonados. – Pode dar-me uma idéia de quanto eles custam?

– Quinhentas mil liras – disse imediatamente o velho, numa voz forte e firme.

– Quinhentas mil… – Parecia uma fortuna. Eu ainda não me acostumara ao dinheiro italiano. – Quanto é isso em dólares? – "Sempre turista", pensei com raiva.

– Cerca de oitocentos dólares – respondeu ele, dando de ombros com ar desanimado. – Ou menos, com esse ridículo câmbio.

Eu ia pagar duzentos e cinqüenta dólares por cada um dos cinco ternos, que nunca me dariam tanto prazer quanto um daqueles quadros.

– Será que o senhor aceita um cheque de um banco suíço?

– Claro – disse o velho. – Endosse-o em nome de Pietro Bonelli. A mostra acaba daqui a duas semanas. Se o senhor quiser, entregaremos os quadros no seu hotel.

– Não é preciso – retruquei. – Eu próprio venho apanhá-los. Queria sair da galeria com os tesouros debaixo do braço.

– Seria necessário deixar um depósito – disse o velho. – Como garantia…

– Dez mil liras chegariam? – perguntei, olhando na carteira.

– Vinte mil seriam o normal – replicou ele.

Dei-lhe vinte mil liras, disse-lhe meu nome e ele passou-me um recibo. Enquanto isso, o jovem mal vestido nem sequer levantara os olhos da revista. – Gostaria de conhecer o pintor? – perguntou o velho.

– Se não fosse muito trabalho.

– Que nada! Ângelo – disse ele -, o Sr. Grimes, colecionador dos seus trabalhos, gostaria de cumprimentá-lo.

O jovem finalmente levantou a cabeça.

– Oi! – falou. – Parabéns. – Sorriu. Parecia ainda mais jovem sorrindo, com dentes muito brilhantes e olhos fundos e escuros, bem italianos. Levantou-se lentamente. – Venha daí, Sr. Grimes, vamos tomar um café para comemorar.

Bonelli estava colando o primeiro "vendido" na moldura do quadro da vitrina, quando saímos da galeria.

Quinn levou-me a um café na mesma rua e pedimos cafezinho no balcão.

– Você é americano, não? – perguntei.

– Americaníssimo. – Seu sotaque não era típico de nenhum Estado americano.

– Está há muito tempo na Itália?

– Há cinco anos – disse ele. – Percorrendo o país.

– Quer dizer que todos os quadros da exposição têm mais de cinco anos?

Ele riu.

– Não. São todos novos. Feitos de memória. Ou inventados, como você preferir. Pinto levado pela solidão e pela saudade. Dá aos quadros uma certa aura, não acha?

– Acho.

– Quando voltar aos Estados Unidos, vou pintar a Itália. Como a maioria dos pintores, tenho uma teoria. A minha é que é preciso sair da nossa terra para se saber como ela é. Acha-me louco?

– Não, se os seus quadros se baseiam nessa teoria.

– Gosta deles?

– Muito.

– Não o culpo. – Riu. – A óptica que Ângelo Quinn tem da sua terra natal. Não os venda. Um dia eles ainda vão ter valor.

– Não pretendo vendê-los – repliquei. – E não é pelo que possam vir a valer.

– Gostei de ouvir isso – disse ele, bebendo seu café. – Mesmo que fosse só pelo café, já não consideraria minha estada na Itália desperdiçada.

– De onde você tirou o nome de Ângelo?

– De minha mãe. Noiva de guerra italiana. Meu pai levou-a para os Estados Unidos. Ele era um jornalista insatisfeito, irrealizado. Cansava-se de um emprego e mudava-se para outra cidadezinha abandonada, até que acabou se fartando. Pinto as andanças dele. Você é mesmo um colecionador, como Bonelli disse?

– Não – respondi. – Para lhe dizer a verdade, é a primeira vez na minha vida que compro um quadro.

– Pomba! – exclamou Quinn. – Pois continue comprando. Você tem bom olho, embora eu não devesse dizer isso. Tome outro cafezinho. Você me fez ganhar o dia.

No dia seguinte, levei o cheque a Bonelli e passei uma boa meia hora olhando para os quadros que comprara. Bonelli prometeu guardá-los, se eu não pudesse voltar no dia em que a exposição encerrasse. A caminho de Porto Ercole, na sexta-feira à tarde, não pude deixar de pensar que a minha primeira visita a Roma fora um sucesso.